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Crise escancara abismo na educação, e pobre sofrerá mais com Enem mantido

Alex Tajra, Ana Carla Bermúdez e Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

12/05/2020 14h23

A crise do novo coronavírus trouxe à tona problemas recorrentes na educação do país, que escancaram ainda mais a desigualdade social e a falta de acesso à internet. Além disso, a manutenção da data de realização do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), definida pelo MEC (Ministério da Educação), vai prejudicar os alunos mais pobres.

A avaliação é de especialistas em educação que participaram do UOL Debate hoje, mediado pela repórter Ana Carla Bermúdez.

Mesmo com decisões da Justiça pelo adiamento do Enem, posteriormente revertidas, o ministério vem defendendo a realização da prova em novembro deste ano. As inscrições para a prova abriram normalmente ontem, e se encerram em 22 de maio. O TCU (Tribunal de Contas da União) indicou ser favorável ao adiamento.

"Muito do que estamos discutindo aqui são problemas que sempre existiram e agora estão sendo realçados. As pessoas que estão estudando para o Enem se sentirão prejudicadas, mas vejo prejuízo maior para as pessoas que não têm nenhum acesso à educação, que vão fazer a prova sem nenhum preparo. Manter o Enem vai dar um prejuízo para as crianças de escola pública", diz Rossandro Klinjey, psicólogo e consultor em educação.

A professora Adriana Ramos, coordenadora do Instituto Vera Cruz, concorda com o adiamento da prova e cita que alguns esforços impetrados pelo estado se mostraram insuficientes para suprir o problema da desigualdade em relação à educação.

Para ela, recursos online e o material impresso não suprem demandas por alimentação, por exemplo, posto que muitas crianças frequentavam as escolas públicas também por conta das refeições.

"Por mais que as crianças tenham acesso à internet, recursos materiais etc, existe uma questão que é o contexto social no qual essas crianças estão inseridas. Não adianta só dar acesso. É louvável os esforços que a rede [de educação] tem feito, de aprendizado, mas a gente não pode desconsiderar as desigualdades, e temos de compreender que ter recursos online e impresso não é o suficiente. Crianças vão às escolas muitas vezes para se alimentar, outras não conseguem ter um ambiente em que possam se concentrar em casa", disse Ramos.

O exame [Enem] tem que ser adiado, a gente tem que considerar também a questão afetiva, socioemocional. Mesmo com os alunos mais preparados, que têm condição de estudar mais, há uma questão de sentimentos, de incerteza
Adriana Ramos

Marcio Black, coordenador de programa na Fundação Tide Setubal, afirmou que a crise gerada a partir da pandemia vai escancarar o abismo existente entre crianças pobres e ricas no país.

"A janela da escola pública já é muito estreita, já passam poucas pessoas. Quando você pega escolas na periferia, aumenta ainda mais essas desigualdades, tem uma fila para passar por essas janelas (...) Esse abismo vai se aprofundar, as crianças da rede privada conseguem minimamente acessar o conteúdo, e as crianças da periferia estão ficando muito para trás nesse período", disse Black.

Há um movimento muito forte de jovens periféricos pedindo o adiamento do Enem. São jovens que vão ser futuramente impactados e eles aparecem entre as estatísticas de maneira negativa em vários pontos, a educação já chega mais deficitária na periferia
Marcio Black

"O Enem é uma prova competitiva, se você está menos preparado, você não vai pegar a vaga onde queria. Mas adiar indefinidamente é péssimo para o jovem mais pobre. Não acho que a solução seja não ter Enem, isso é injusto, o que vai acontecer com os jovens nesse período? O MEC precisar convocar as secretarias, fazer um debate, pensar no que outros países estão fazendo", argumenta Denis Mizne, da Fundação Lemann.

Segundo Mizne, uma possibilidade para tentar diminuir a desigualdade no acesso aos materiais didáticos e às aulas seria implementar um canal de televisão para suprir essa demanda, alternativa que já está sendo utilizada por estados como São Paulo. "A TV está em praticamente todos os lares brasileiros."