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Alunos e deputados criticam data do Enem e dizem que MEC ignorou enquete

Gabriela Sá Pessoa

Do UOL, em São Paulo

08/07/2020 22h09

Imagens de palhaços proliferaram no Twitter enquanto o MEC (Ministério da Educação) anunciava as novas datas de realização do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2020, em janeiro e fevereiro de 2021. O personagem foi o escolhido por usuários da rede social descontentes com o novo calendário que, segundo eles, ignorou os resultados de uma enquete do governo federal que perguntava quando o exame deveria ser aplicado.

O resultado da votação indicou que 49,7% preferiam fazer a prova em maio de 2021; 35,3%, em janeiro de 2021 e 15%, em dezembro de 2020. E, hoje, o governo federal anunciou que as provas impressas acontecerão nos dias 17 e 24 de janeiro de 2021 e a versão digital, novidade desta edição, em 31 de janeiro e 7 de fevereiro.

Segundo representantes do MEC e do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), a enquete mostrou que, somados, os que defendiam o Enem em janeiro e dezembro superavam os que escolheram maio do ano que vem. A enquete, disseram, era apenas um parâmetro para a decisão, e que foram consideradas também as opiniões de secretários estaduais de Educação e dirigentes de instituições de ensino superior públicas e privadas.

"Na semana passada, realizamos o diálogo com as secretarias estaduais", disse o secretário-executivo do MEC, Antonio Paulo Vogel, explicando que também procuraram as entidades representativas das instituições de ensino superior públicas e privadas. "Entendemos que essa decisão não seja perfeita para todos. Então buscamos solução técnica e tentando ver a data que melhor se adequa para todos, em 2021."

O deputado federal Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, criticou a maneira como a escolha foi feita. "O que é mais grave não é a data da prova. É todo o processo atabalhoado, uma consulta que serviu para que, afinal? Tudo o que a gente vem acompanhando, um ministério sem ministro. O pior não é o prazo. O pior é a condição que o estudante se encontra para poder dar sequência ao seu processo de aprendizagem, isso que tem que mudar", afirmou ao UOL.

Não adianta prorrogar a prova, a data do exame, e não ter política construída para amenizar o impacto do coronavírus, de maneira articulada, chamando os secretários de Educação dos estados, dos municípios. Construindo alternativas, passando a mensagem certa, de amparo, de que haverá uma política pública para poder amenizar esse impacto, e por aí vai. A gente lamenta porque, além de todo um processo que foi conduzido da pior forma possível, você não trata da essência do problema, que é a condição que o estudante está tendo para estudar." Pedro Cunha Lima, presidente da Comissão de Educação, ao UOL

A deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) também considerou o processo de definição desorganizado e disse que a escolha da data foi derespeitosa com os estudantes ao não considerar o resultado da enquete. "Sem Weintraub para atrapalhar, o MEC acabou de definir novas datas para o Enem. Além de um processo desorganizado e desrespeitoso com os estudantes, a enquete sequer ouviu a opinião deles. Lutei pelo adiamento e continuarei trabalhando para que nenhum aluno fique para trás", afirmou, em publicação no Twitter.

Também pela rede social, Marcelo Freixo (PSOL-RJ) disse que a definição do calendário foi autoritária: "Como tudo nesse governo, a escolha da data do Enem foi feita de forma autoritária e sem transparência. O Inep realizou uma votação, a maioria dos estudantes elegeu o mês de maio, mas o instituto anunciou que as provas serão em janeiro, sem qualquer explicação. Lamentável".

A UNE (União Nacional dos Estudantes) e a Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) criticaram a falta de diálogo e apontaram dúvidas na condução da redefinição da aplicação do exame em meio à pandemia.

"Não escutaram as entidades estudantis em nenhum momento e ignoraram o resultado da consulta que eles mesmos fizeram! É claro que a opinião de reitores e secretários de educação é importante. Mas o MEC decidiu não ouvir os principais envolvidos na decisão das novas datas do Enem: os estudantes. É assim que esse governo fala em democracia", afirmou a UNE, em sua conta no Twitter.

"Para que serviu a enquete do Inep? Por que a opinião dos estudantes foi ignorada? Quais serão as condições sanitárias para aplicação da prova presencial? Como ficará a segurança de informações do Enem digital? A falta de diálogo gera dúvidas", pronuciou-se a Ubes.

Em nota, o Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) disse apoiar as datas anunciadas hoje, pois "permitem o acesso de estudantes a instituições de ensino superior públicas e privadas ainda no primeiro semestre de 2021", e são a solução "menos danosa, considerando todo o contexto da pandemia".

"Chegar a uma data ideal para a realização da prova não é uma tarefa fácil, afinal quanto mais tempo o estudante tiver para se preparar e recuperar as perdas causadas pela crise sanitária, melhor. Por outro lado, não podemos desconsiderar toda a organização do calendário do ensino superior, afinal o resultado do Enem é usado pelo Sisu, pelo Prouni e pelo Fies, ou seja, para o acesso não apenas a instituições de ensino superior públicas, mas também a instituições privadas. Logo, afetar essa organização poderia causar ainda mais desigualdades no acesso ao ensino superior para os estudantes, especialmente da rede pública" Conselho Nacional de Secretários de Educação, em nota

A Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) reiterou que não se manifesta sobre
datas do Enem, mas sobre as condições de realização da prova. "A data anterior não apresentava as condições necessárias. Por isso, foi proposta a suspensão", disse a entidade.

A primeira e necessária condição é justamente a biossegurança dos candidatos e profissionais envolvidos em todo o processo, sobretudo na aplicação das provas. Portanto, as autoridades têm a responsabilidade de prover os meios necessários à proteção da saúde de todos. Essa condição exige providências e constantes avaliações até o dia do exame. A segunda condição é a maior equidade possível entre os candidatos. Afinal, os seis milhões de candidatos inscritos precisam ter oportunidades reais de aprendizado dos conteúdos demandados no Enem. Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, em nota

Frei David Santos, diretor da Educafro (Educação e Cidadania de Afro-descendentes e Carentes), defende o cancelamento da edição de 2020 do exame e diz que a organização, que oferece cursos gratuitos para alunos negros e de baixa renda, irá à Justiça pedir a suspensão da prova. "Não dá para o Brasil ir adiante e deixar os pobres para trás. Isso que o MEC está fazendo chama-se racismo estrutural", afirmou.

Para Santos, o atual calendário é irresponsável e promoverá falta de isonomia entre os candidatos: "É um atentado contra a Constituição, o MEC fazer uma prova em que os brasileiros pobres estão totalmente em desvantagem em relação aos brasileiros ricos".

"Um governo autoritário, insatisfeito com o resultado de uma consulta democrática, optou por ignorar a posição dos estudantes. Em janeiro não teremos segurança sanitária e nem estudantes preparados para prestar o Enem", afirmou Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.