Professores falam de desafios pela covid: "educação é feita de contato"
Álcool em gel, máscaras, distanciamento. Para professores, o protocolo para a volta às escolas na pandemia do novo coronavírus traz ainda um outro desafio: a necessidade de educar e socializar, na sala de aula e nos espaços comuns da escola, sem toque e contato próximo com os alunos.
"Alguns alunos chegaram e abriram os braços, mas eles mesmos já disseram: 'ah, não pode abraçar'", conta Renata Belcaiz, 39, professora do quinto ano do ensino fundamental na escola Maple Bear, em Indaiatuba (SP), onde as atividades presenciais foram retomadas na última terça-feira (8).
Ela diz que, por confiar nos protocolos de segurança, não teve receio de retornar à escola, e conta que pôde ver nos olhos dos alunos a alegria por estarem de volta ao ambiente escolar depois de quase seis meses de isolamento social.
Mesmo assim, a professora afirma que pensar na escola que ficou para trás, em março, traz "um sentimento um pouco triste". "A gente sabe que é uma necessidade humana a questão do toque, do abraço, principalmente para a criança", conta Renata.
Para ela, a nova realidade é trabalhosa por dois motivos principais. O primeiro tem a ver com a necessidade de continuar lidando com as ferramentas necessárias para o ensino híbrido, já que nem todos os alunos podem voltar para a escola pelas restrições sanitárias. Outra é o distanciamento e o impedimento ao toque.
"Acho que o trabalho maior que nos dá é esse, conseguir acolher todas as crianças quando elas estiverem em um momento em que precisem de um aconchego", diz.
Cartas e cumprimentos com os cotovelos
A saudade do ambiente escolar que era normal até o mês de março também é um sentimento da professora Júlia Ferreira, 34, que dá aulas para o primeiro ano do ensino fundamental no colégio Uirapuru, em Sorocaba (SP), onde as atividades retornaram esta semana.
"Acho que a educação é feita de contato", diz. "Mesmo que a gente tenha feito um contato cuidadoso nesse retorno, ainda não consigo dar abraço, beijo."
A professora afirma que não teve medo de voltar para a sala de aula, mas estava apreensiva com a forma como as crianças reagiriam a essa "nova escola".
"Como todas as crianças, eles nos surpreendem sempre", conta. O primeiro dia de retorno, segundo ela, foi mais corrido "porque eles estavam eufóricos". "A criança precisa de uma orientação. Conversas aconteceram e acontecerão diariamente. Mas eles estão se saindo muito bem, seguem as regras extremamente à risca."
Segundo Júlia, os próprios alunos encontraram novas formas de demonstrar carinho e afeto: "eu chego e recebo cartas, desenhos". "A gente [professores] tenta retribuir de outros jeitos, conversando, escutando".
Já a professora Renata diz que uma das saídas encontradas para a situação foi incentivar uma série de cumprimentos que não envolvem apertos de mão, abraços ou beijos. "Foi até divertido combinar isso, com o toque de cotovelos, de pés."
Ela diz que as crianças não tiveram problemas em se adaptar à nova rotina e estavam "bastante conscientes dos cuidados necessários".
"Há outras formas de afeto que podem ser buscadas", afirma Claudia Costin, diretora do Ceipe (Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais) da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Como exemplo, ela cita um possível protocolo em que a professora põe a mão no coração, olha para a criança e diz: "gosto de você". "Nós somos seres de contato, mas a gente pode simbolizar o afeto de outras formas. Vamos ter que aprender a lidar", diz.
Para ela, "a importância de não perder o vínculo é fundamental para a criança e, sobretudo, para o jovem que está em risco de abandonar a escola".
Esta é justamente uma das preocupações do professor Junior Dourado, 30, que dá aulas de química e física para o ensino médio em uma escola estadual em Manaus (AM), onde as atividades presenciais retornaram há cerca de um mês.
"Sempre fui um professor muito próximo, amigo, a ponto de tentar ajudar da melhor forma possível, motivá-los a estudar, verificar o que eles têm de bom para oferecer enquanto adolescentes", diz.
Dourado concorda com Costin. Ele sustenta que essa interação é especialmente importante nos casos de alunos mais vulneráveis, que têm maiores chances de abandonar a escola.
Na sua escola, foram criados grupos diferentes para dividir uma mesma turma, em esquema de rodízio. Mas isso, de acordo com o professor, prejudica o contato com os alunos.
"Vai um grupo, por exemplo, e na outra aula vão outros alunos. Então, não há uma continuidade", conta o professor. "Tenho saudade dessas coisas: do corpo a corpo, de passar o conhecimento em forma de diálogo, e não em forma de matéria".
Além disso, Junior acredita que o isolamento também afetou a relação dos jovens com o ambiente escolar. "Em uma turma perguntei: 'vocês estão aqui por quê? Qual o sonho de vocês?'. Eles responderam 'professor, a gente vem, mas ficamos com aquela incerteza, aquela insegurança'", relata.
O próprio professor diz que teve medo de voltar à escola e conta que, hoje em dia, os alunos seguem o distanciamento, mas nem sempre obedecem as regras sanitárias, como não colocar a mão nas máscaras.
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