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Medo, atraso e problema técnico: UOL conta como foi fazer o 1º Enem digital

Além do documento de identificação e da caneta preta, precisei incluir no meu kit Enem uma máscara PFF-2 e um escudo facial - Ana Carla Bermúdez/UOL
Além do documento de identificação e da caneta preta, precisei incluir no meu kit Enem uma máscara PFF-2 e um escudo facial Imagem: Ana Carla Bermúdez/UOL

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

31/01/2021 19h32

Mais de dez anos depois de sair do ensino médio, me descobri, na manhã de hoje, bastante nervosa ao pensar em fazer o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

Como repórter de educação do UOL, decidi me inscrever para o Enem digital assim que o MEC (Ministério da Educação) anunciou esse novo modelo, tanto para ver a aplicação de perto como para relatar a experiência de fazer uma prova importante como essa pelo computador.

Não imaginei, no entanto, que, quando o dia do exame chegasse, ainda estaríamos em uma situação tão delicada da pandemia do coronavírus no Brasil.

Este domingo foi o primeiro dia do Enem digital: eu e outros cerca de 90 mil candidatos fizemos as provas de linguagens, ciências humanas e redação —o UOL corrige a prova em parceria com o Objetivo. Na prática, na sala onde fiz o Enem, o que vivenciei foi uma mistura de medo, calor, cansaço, atraso e problemas técnicos para acessar a prova.

Cheguei à entrada da Uninove da Barra Funda, onde fiz o exame em São Paulo, cerca de 20 minutos antes do fechamento dos portões. Tinha medo de que houvesse aglomeração na porta, como aconteceu em alguns locais de prova do Enem impresso, aplicado nos dias 17 e 24 de janeiro. Ao contrário das minhas expectativas, a movimentação estava bastante tranquila. Primeira etapa concluída com sucesso.

Dentro do prédio, fui em busca da sala onde faria a prova. Eram mais de 20 laboratórios de informática em um mesmo andar, mas mesmo assim não havia muita gente pelos corredores. Na porta do laboratório 12, me identifiquei à fiscal, que pediu para que eu desligasse e guardasse o celular dentro de um saco plástico que deveria ser lacrado.

Fui informada de que meu computador era o de número 2. Indo até ele, tive a surpresa ingrata de perceber que, tanto ao meu lado direito como ao meu lado esquerdo, havia outros dois participantes cujos computadores não estavam a mais de 1,5 metro de distância do meu. Reclamei em voz alta.

Perto do horário de fechamento, o portão da Uninove da Barra Funda, em São Paulo, tinha pouca movimentação - Ana Carla Bermúdez/UOL - Ana Carla Bermúdez/UOL
Perto do horário de fechamento, o portão da Uninove da Barra Funda, em São Paulo, tinha pouca movimentação
Imagem: Ana Carla Bermúdez/UOL

Fazia muito calor em São Paulo e as janelas abertas não davam conta de refrescar o ambiente. Pelo menos quatro ventiladores de teto estavam ligados, mas o ar dentro da sala —e por dentro de uma máscara e de um escudo facial— ainda estava muito quente.

Às 13h, quando os portões foram fechados, recebemos as primeiras instruções da fiscal de sala. Coisas simples, que envolviam preencher o nome e a data de nascimento nas folhas de rascunho e de redação quando as recebêssemos e ressaltar que o uso de máscara era obrigatório durante toda a prova.

Faltava meia hora para o início do exame e tudo o que podíamos fazer era encarar a tela do computador, que mostrava uma mensagem do tipo "aguardando liberação do sistema".

Às 13h37, fomos informados de que a aplicação estava atrasada, mas que logo deveria começar. Também nos foi garantido que o horário de encerramento do exame seria estendido pelo mesmo tempo correspondente a esse atraso. O problema, segundo os fiscais, seria em toda a cidade de São Paulo: nenhum computador havia recebido ainda a prova do Enem, enviada remotamente pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), em Brasília.

Sem saber exatamente as horas —é proibido o uso de qualquer relógio no Enem—, me senti perdida no espaço e no tempo. Às 14h15, o exame ainda não havia começado. Tudo parecia passar muito devagar. Cada vez mais eu percebia a presença da máscara e do escudo facial sobre meu rosto. Cada vez mais eu ficava nervosa, com medo de ser infectada pelo coronavírus.

Tive tempo de sobra para pensar na vida. O garoto ao meu lado decidiu fazer origamis com o papel de um chiclete. Em uma tentativa de coçar o pescoço, acabei dando com a mão no escudo facial. Nesse meio tempo, a única orientação que recebemos foi a de que era preciso esperar. Ninguém mencionou nem sequer uma vez a possibilidade de pedir a reaplicação do exame.

Pedi para ir ao banheiro e vi fiscais correndo pelos corredores, dizendo que em breve alguns computadores conseguiriam, enfim, abrir a prova. Mas, apesar da agitação, não foi bem assim. Só por volta das 15h —ou seja, cerca de uma hora e meia depois do horário oficial do início do Enem— as telas dos computadores começaram a mudar.

Para acessar a prova no computador, foi preciso inserir uma senha que recebi impressa junto à folha de rascunho. Feito isso, o sistema rodou bem: consegui ver e responder às questões sem nenhum tipo de problema. Pude, inclusive, pular de uma para outra, como se faz no papel. Apesar de a redação desta edição do Enem digital ainda ser manuscrita, a proposta com o tema só pôde ser vista no computador.

Não foi fácil superar o cansaço por ter ficado tanto tempo esperando, no calor, em frente a uma tela que não mudava nunca: na hora de fazer a prova, tive dificuldade para me concentrar. Li e reli as mesmas questões algumas vezes, muitas delas sem conseguir assimilar o que aquele texto estava dizendo.

Apesar de estar acostumada a usar computadores —trabalho todos os dias em um notebook—, fazer uma prova digital definitivamente não é a mesma coisa do que fazer uma prova no papel. A experiência foi no mínimo interessante e relativamente traumática, com emoções à flor da pele em meio a uma pandemia.

Nada fácil para qualquer pessoa —imagino, então, como deve ter sido para quem está terminando o ensino médio agora e quer usar a nota do Enem para entrar na faculdade.

Como alguém que esteve no lugar de participante, posso dizer com tranquilidade que o primeiro Enem digital esteve longe de ser um "êxito", como o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou em suas redes sociais.

Os planos do MEC e do Inep são de transformar o Enem em uma prova 100% digital até 2026. Até lá, é preciso melhorar muita coisa para que isso seja a realidade para os mais de 5 milhões de candidatos que fazem o exame todos os anos.

No domingo que vem, os candidatos fazem a segunda parte da prova, com questões de matemática e ciências da natureza.

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