Sem internet, família paga para usar wi-fi do vizinho e crianças estudarem
Sem conseguir tirar do orçamento R$ 120, valor médio dos planos de internet em Manaus (AM), a dona de casa Paula Macedo, 34, pediu ao vizinho para compartilhar a senha do wi-fi, enquanto daria uma ajuda de custo de R$ 20 ao mês. "É como dá pra fazer", diz ela sobre a alternativa que encontrou para os filhos acessarem as aulas online.
Luan, de 10 anos, e Lucas, 16, consegue, assim, acessarem os materiais e as devolutivas pelos grupos do WhatsApp da escola. Como nem sempre a velocidade da internet é boa, a professora de Luan preferiu também entregar as atividades impressas em casa. "A gente quer encontrar mecanismos para chegar até o aluno, mas é difícil. Como exigimos dele em uma situação dessa?", comenta a professora Ana Rita de Lacerda.
Os filhos de Paula fazem parte do grupo de alunos que poderiam se beneficiar do projeto que garantiria internet grátis a alunos e professores da rede pública do ensino básico. No entanto, o PL 3477 foi vetado integralmente pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com a justificativa de que a proposta não apresentava "a estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro, e aumenta a alta rigidez do orçamento, o que dificulta o cumprimento da meta fiscal e da Regra de Ouro".
O projeto previa um recurso de R$ 3,5 bilhões da União para levar internet e equipamentos para a rede pública, além de estudantes matriculados nas escolas das comunidades indígenas e quilombolas. A falta de internet e a infraestrutura escolar foram apontadas como desafios das redes municipais na pandemia em uma pesquisa da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), com apoio do Itaú Social e da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). O estudo ouviu mais de 3,6 mil municípios.
Assim que começou a pandemia, expliquei minha situação para a professora. Disse que não tinha TV para meus filhos acompanharem a aula, nem internet. Paula Macedo, dona de casa
Para o vice-presidente da Undime, Marcelo Ferreira da Costa, a educação precisa de um programa nacional e não de ações pontuais. "Os alunos de comunidades vulneráveis e das zonas rurais são os mais prejudicados com a falta de acesso", ele diz.
Quando se fala nas escolas das comunidades indígenas e quilombolas, o coordenador pedagógico Alcides Neto, de Seabra (BA), entende a realidade de tentar acesso ao aluno. "As operadoras de telefonia chegam com um sinal muito baixo, mas ainda assim muitas famílias só têm um dispositivo celular", conta.
A realidade na região sempre foi precária, mas a pandemia, segundo Neto, contribuiu para que as desigualdades aumentassem. Para minimizar o impacto, ele vai até a casa dos alunos levando materiais impressos. Cerca de 80 estudantes recebem as atividades do coordenador pedagógico.
Democratização do acesso
Nos pareceres e resoluções publicados no ano passado pelo CNE (Conselho Nacional de Educação), a presidente do órgão Maria Helena Guimarães de Castro diz que sempre apontava a importância do acesso à internet. "Esse é o limite que temos como CNE, explicar como é fundamental assegurar esse direito aos alunos mais vulneráveis", afirma.
Maria Helena diz que o direito de internet gratuita aos estudantes deve ir além da pandemia. "É importante democratizar o acesso à internet, estimular o aluno no ambiente digital", sugere.
Agora, deputados tentam derrubar o veto e conseguir usar os recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) para levar internet para os alunos e professores da rede pública.
É lamentável que o governo federal não tenha uma estratégia definida. Alguns estados como São Paulo e Paraná estão garantindo internet gratuita. Mas isso não é suficiente, porque temos um problema nacional. Maria Helena Guimarães de Castro, presidente do CNE
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