Sem regulamentação, educação domiciliar é defendida em cartilha do MEC
Sem regulamentação, mas defendida por ministros e pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o homeschooling —ou, em português, educação domiciliar—, foi tema de uma cartilha lançada pelo MEC (Ministério da Educação) na semana passada. O material traz relatos internacionais e nacionais de famílias que praticam a modalidade, mas foi criticado por especialistas ouvidos pelo UOL.
O homeschooling é uma das bandeiras de Bolsonaro e foi incluído nas 25 prioridades de seu governo. Atualmente, há dez projetos na Câmara dos Deputados sobre o tema, um deles tem a deputada Luisa Canziani (PTB-PR) como relatora e deve ser votado até o dia 20 de junho.
No documento divulgado pelo MEC, que traz na primeira página a frase "um direito humano tanto dos pais quanto dos filhos", há exemplos de pessoas que já praticaram o homeschooling, como Benjamin Franklin (1706-1790) e Barão de Mauá (1813-1889).
Para Priscila Cruz, presidente do movimento Todos pela Educação, a cartilha é uma "afronta". "Querer avançar nessa política é a contramão da formação de cidadãos tolerantes e respeitosos com a diversidade e com quem tem visão ou religião diferente", aponta.
No meio de uma pandemia, que afeta brutalmente a educação, as condições alimentares e de proteção social e física das crianças, o governo federal querer 'empurrar' a agenda do homeschooling é no mínimo um descaso cruel.
Priscila Cruz, presidente do Todos pela Educação
Além de não valorizar a diversidade e a pluralidade, movimentos e especialistas em educação se colocam contra a regulamentação da modalidade por causa da falta de socialização.
A professora de pós-graduação em educação da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Inês Barbosa de Oliveira avaliou que o documento do MEC tenta justificar que existe socialização dentro do homeschooling. "Na psicologia, existe um conceito chamado afirmar por denegar e o governo quer insistir em dizer que há socialização", diz.
Segundo a cartilha do MEC, a socialização de crianças e jovens que adotam a educação domiciliar pode acontecer com alunos de escolas regulares, como "primos, vizinhos, colegas da comunidade, do clube ou do condomínio".
A legislação é clara, a Lei de Diretrizes e Bases diz: o homeschooling é fundamentalmente ilegal. Não me espanta esse documento, porque a ilegalidade permeia o governo como um todo.
Inês Barbosa de Oliveira, professora da UERJ
Para a especialista, a modalidade tenta "cassar" a liberdade das crianças. "Elas são seres humanos, cidadãos de direito e devem ver o mundo como ele é."
O material traz imagens de atividades feitas pelas famílias. Uma delas é sobre uma aula das fases da lua. Na foto, é possível observar bolachas com diferentes formatos no seu recheio demonstrando as fases diferentes da lua. "A aula de culinária pode conter elementos de história, geografia, ciências, matemática e até astronomia", diz o documento.
A liberdade e flexibilidade, segundo o documento, também são propostas pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular), documento que define o que os alunos devem aprendem nas escolas.
"O documento foi totalmente elaborado para mostrar as vantagens da educação domiciliar sem levar em conta todos os riscos que já levantamos", disse a diretora-executiva da ONG Plan Internacional Brasil, Cynthia Betti.
O que diz a lei?
Em 2018, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o homeschooling era ilegal, até que o Congresso regulamentasse o tema.
Segundo o artigo 6º da Lei de Diretrizes e Bases, que regula a educação, "é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos quatro anos de idade".
Já o artigo 205 da Constituição aponta que "a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade".
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