Enem: Quais os erros da edição passada e como melhorar em 2021?
A não renovação da isenção da taxa de inscrição a candidatos que faltaram no último Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) foi apontada como um dos principais fatores para o baixo número de inscritos na edição de 2021 da prova.
Especialistas ouvidos pelo UOL criticaram a atitude do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), responsável pela aplicação.
Ao todo, são cerca de 4 milhões de alunos inscritos, o menor registro desde 2009, quando o Enem adotou o atual formato. O exame será realizado nos dias 21 e 28 de novembro deste ano.
Mas, já que não veem possibilidade de voltar atrás na decisão, os entrevistados defendem a adoção de políticas e campanhas que incentivem o comparecimento ao Enem como forma de tentar amenizar o fosso de desigualdade social e educacional no Brasil.
Eles enxergam a medida como um jeito de minimizar as consequências da disparidade com o ensino remoto na pandemia, quando muitos estudantes resolverem não fazer o exame por não se sentirem capacitados.
Histórico sobre a taxa
O benefício da gratuidade da taxa de inscrição passou a não ser automático em 2017 para aqueles que não compareceram ao exame. Então presidente do Inep, Maria Inês Fini queria diminuir o número de candidatos que faltavam sucessivamente. Havia casos, por exemplo, de pessoas que não compareceram por cinco anos seguidos.
O grande número de faltas aumenta os custos logísticos aos cofres públicos, porque é necessário imprimir mais provas, que, ao final, não serão aproveitadas. Por isso, para ter direito à gratuidade novamente, foi exigido que o candidato apresentasse uma justificativa para a ausência.
Mas a educadora diz que o contexto, durante a pandemia, é completamente diferente. Ela defende a renovação automática como um direito, independentemente dos motivos de quem não foi fazer a prova. "Isso seria um gesto de política pública consciente", diz.
Não há atestado médico para o medo, não há atestado para a insegurança. E é um direito que essas pessoas têm de se sentirem seguras.
Maria Inês Fini, educadora e uma das criadoras do Enem
Não dar a gratuidade é visto por ela como uma política que gera exclusão. "O aprendizado com uma crise só pode ser positivo se aprendermos com o que erramos. Lamentavelmente, parece que a gestão do Ministério da Educação não aprende com os próprios erros", afirma Fini.
Ela aponta três erros principais do MEC em 2020:
- não estender a gratuidade;
- não prorrogar por mais uma semana as inscrições;
- não mobilizar os jovens a fazerem a prova.
Campanha nacional
A educadora Maria Inês Fini diz que o MEC precisa se mobilizar a favor dos jovens no Brasil de modo a encorajá-los a fazer o Enem.
"[Precisa] Mobilizar os atores sociais, como secretários estaduais de educação, e convocar os professores para que todos chamem os jovens."
Para a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais Claudia Costin, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a última edição foi uma das mais excludentes, porque escancarou as desigualdades da educação básica.
Costin chamou de "falta de empatia muito grande" a medida do governo de não conceder a isenção automática.
"Falta eles entenderem a dimensão da crise que estamos vivendo. Ela não é só sanitária, é uma crise econômica. A situação das famílias hoje está pior que do que estava no Enem passado. Muitas pessoas perderam emprego", diz.
Fazer com que pessoas que não podiam pagar em 2020 tenham de pagar a inscrição está jogando o peso nos mais vulneráveis e nos mais atingidos pelas circunstâncias econômicas da pandemia.
Claudia Costin, da FGV
Vacinação avança
Os especialistas também estão otimistas com o avanço da vacinação, com muitos estados querendo completar a vacinação da população adulta antes do final do ano, o que talvez permita fazer um Enem mais seguro, sem o medo de se contaminar que havia em janeiro, quando aconteceu a edição de 2020.
Mas, para evitar a repetição dos erros da prova passada, eles pedem mais distanciamento físico entre as carteiras como forma de não gerar aglomeração nas salas.
O infectologista Unaí Tupinambás, que também é professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), defende que é preciso ter um controle muito mais rigoroso na entrada e na saída do exame.
"Quanto maior o número de pessoas vacinadas no Brasil, maior é a chance de proteção e de diminuir a transmissão do vírus", afirma.
Entre as ações de segurança sanitária, Tupinambás sugere:
- aplicadores de prova sem comorbidades e que já estejam vacinados;
- dispositivos de higienização das mãos em fácil acesso;
- janelas e portas abertas nos locais de aplicação;
- distanciamento entre carteiras de dois metros.
Em relação ao uso de máscara, o infectologista sinaliza que o ideal é que cada estudante tenha consigo, no mínimo, quatro máscaras e que elas sejam trocadas a cada duas horas de prova.
Também sugere a expansão dos locais de prova para diminuir o número de alunos concentrados em um único ambiente. Para ele, locais abertos, como quadras poliesportivas e pátios escolares, pode ser uma opção.
"Nós temos que diminuir o número de alunos por sala. Isso é básico para evitar aglomeração em espaços fechados", diz.
Costin concorda: "Vai precisar fazer distanciamento social, vai precisar calcular direito quantos cabem em cada sala, tendo a metragem".
Tupinambás afirma ainda que é impossível prever o cenário com a expansão da variante delta pelo país. Mas que, se houver um agravamento dos casos, será preciso repensar os protocolos.
Aplicativo para organizar salas de prova
Calcular o distanciamento entre as carteiras para o Enem dá trabalho. Por isso uma parceria entre a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e o Inep vai ser primordial.
No aplicativo "Sala Planejada", os responsáveis preenchem os campos com as dimensões da sala e da cadeira, a quantidade de cadeiras desejadas, bem como a distância necessária entre elas. Com base nesses parâmetros, o programa gera de forma imediata opções de layouts.
Fini avalia como positiva a iniciativa e defendeu dobrar o número de salas de aplicação como forma de evitar aglomeração. Por fim, questionou preocupada se o Inep terá recursos para arcar com os custos.
Para Tupinambás, porém, a medida não representa um gasto, mas um investimento. "Se estamos evitando um surto ou aumento de casos, estamos na verdade economizando dinheiro."
Professor titular de economia da USP Ribeirão Preto, Reynaldo Fernandes diz que a realização do exame em plena pandemia envolve questões logísticas e sanitárias que são difíceis de serem analisadas e que não há uma solução fácil.
O ex-presidente do Inep alerta sobre a segurança do exame: à medida que se dispersam os locais de aplicação e se aumenta o número de salas, corre-se o risco de vazamento da prova. "Não é um problema trivial", diz.
Mas vê com maior preocupação a fala do ministro Milton Ribeiro de censurar questões. "É um absurdo isso. Nunca vi um tema de redação. Fui presidente do Inep por cinco anos [de 2005 a 2009] e só conhecia o tema da redação com a sociedade."
"A ideia de um grupo que olha se as questões são adequadas ou não, se isso ou aquilo tem ideologia de gênero. Isso é um comitê de censura."
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