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Enem, Fuvest e Unicamp têm forte queda de inscritos negros e de públicas

Vestibular da Unicamp, cuja sede fica em Campinas, teve o menor número de inscritos da rede pública dos últimos quatro anos - Reprodução/Facebook
Vestibular da Unicamp, cuja sede fica em Campinas, teve o menor número de inscritos da rede pública dos últimos quatro anos Imagem: Reprodução/Facebook

Ana Paula Bimbati

Do UOL, em São Paulo

23/10/2021 04h00

Dados de três das principais provas de acesso ao ensino superior no país —Enem, Fuvest e Unicamp— mostram uma redução no número de inscritos que estudaram na rede pública e também de candidatos pretos e pardos. Para especialistas, o fechamento das escolas por causa da pandemia de covid-19 e a dificuldade de acesso às aulas remotas são algumas das explicações.

Os três exames registraram queda no número total de inscritos, na comparação das edições que serão realizadas nos próximos meses com as do ano passado. O Enem teve as maiores reduções de candidatos que saíram de escolas públicas (31%) e de negros (52%). As candidaturas de alunos da rede pública na Unicamp caíram 27%. E as do grupo que engloba pretos, pardos e indígenas na Fuvest, 33%.

Na Unicamp, a queda no número total de inscritos para o vestibular foi de 18,5% do ano passado para esse. Em 2020, a universidade comemorou um recorde histórico no total de cadastros: 77.653. Neste ano, foram 63.297.

Considerando todas as candidaturas para 2022, o percentual de alunos de escolas públicas foi de 30,5%. É a menor proporção desde 2017, quando a universidade registrou 30,2%.

A redução de inscritos desse público foi de 27,3% em relação ao ano passado. Entre pardos e pretos, o índice diminuiu 25% comparado com o vestibular anterior.

A estudante Aléxia Anunciação Moreira da Silva, 18, deixou de fazer a inscrição no vestibular da universidade e no Enem neste ano. Com a pandemia de coronavírus e uma mudança de escola, os desafios para aprender só se multiplicaram.

Aléxia Anunciação, 18, desistiu de fazer vestibular da Unicamp e Enem por não se sentir preparada - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Aléxia Anunciação, 18, desistiu de fazer vestibular da Unicamp e Enem por não se sentir preparada
Imagem: Arquivo pessoal

Sem ter confiança se conseguiria passar em algum vestibular, a jovem, que sempre foi aluna da rede pública, desistiu de se inscrever no vestibular da Unicamp e no Enem. "Ficou muito mais complicado de acompanhar tudo e deixei de lado", conta.

Para a diretora-geral do Centro de Excelência e Inovação em Política Educacionais da FGV, Claudia Costin, a decisão de Aléxia não surpreende. "Quando ficamos com escolas públicas fechadas por tanto tempo, sabendo que não há conectividade e equipamentos necessários para uma boa parcela dos alunos da rede pública, temos um cenário como esse pela frente", avalia.

O diretor da Comvest (Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp), José Alves, acredita que a universidade pode melhorar os números com os alunos que usarão a nota do Enem.

"Esperamos ter uma boa adesão ao Edital Enem-Unicamp, com inscrições a partir de novembro, para cumprir nossas metas de políticas de ação afirmativa. Teremos condições de selecionar bem os ingressantes de 2022", diz Alves.

Mas as inscrições do Enem também tiveram quedas consideráveis. Antes da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que obrigou o MEC (Ministério da Educação) a garantir isenção para quem faltou na edição do ano passado por medo da covid, o exame tinha 3,1 milhões de participantes confirmados —53% menos do que em 2020.

Após a determinação do STF, o número de candidatos aumentou apenas 9%.

Levantamento feito pelo Semesp (Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior) apontou que o número de inscritos com a isenção automática diminuiu 31%. Já o total de inscritos pagantes subiu 39,2%. Recebem a isenção automática os candidatos que estão no 3º ano do Ensino Médio em escola pública.

Entre os participantes pardos e pretos, a diminuição foi de 52% —de mais de 3,4 milhões no ano passado para 1,6 milhão neste ano.

Além da decisão do governo de suspender a taxa, a necessidade de trabalhar para ajudar em casa e o desânimo dos alunos são citados por especialistas como motivos para queda de inscritos da rede pública no vestibular.

"Eles se desvincularam do processo de aprendizagem e é uma pena, porque essa inclusão incipiente que vinha ocorrendo no ensino superior, de alunos negros e de baixa renda, se interrompeu. Teremos um ensino superior mais elitista e excludente", afirma Costin.

Os dados da Fuvest 2022, porta de entrada para a USP, mostram o mesmo cenário. Do ano passado para esse, a diminuição de candidaturas totais foi de 16,1% —120 mil em 2020 para 101 mil este ano.

Entre os últimos quatro anos, o número de inscritos de escola pública para o vestibular de 2022 foi o menor, 23.131. Do ano passado para esse, a queda dessas candidaturas foi de 25%.

A situação se repete com candidatos pretos, pardos e indígenas:

  • Foram 6.372 inscrições para 2022, e

  • 9.564 para a edição de 2021.

O que representa uma queda de 33%.

Para a Fuvest, a porcentagem deste ano é "semelhante ao visto em outros anos desde que esse sistema de cotas foi implementado", mas a instituição reconhece o impacto da queda de inscrições entre alunos atendidos por políticas de ação afirmativa.

"Comparado ao ano de 2021, observou-se uma pequena queda devido ao número de inscritos em escola pública e de pretos, pardos e indígenas ter sido maior naquele ano", diz a nota da fundação.

No vestibular do ano passado, foram mais de 31 mil candidatos da rede pública e quase 10 mil negros, pardos e indígenas. Em 2021, a USP chegou a comemorar que mais de 50% dos seus alunos tinham vindo de escolas públicas.

Vamos continuar sentindo o impacto nos próximos anos, por isso as políticas públicas devem ser desenvolvidas, para acelerar os resgates da aprendizagem."
Claudia Costin, diretora do Ceipe-FGV

Impacto ao longo dos próximos anos

Especialistas apontam que os prejuízos provocados pela pandemia na educação serão vistos ao longo dos anos. Para a presidente do CNE (Conselho Nacional de Educação), Maria Helena Guimarães de Castro, o Brasil deve começar primeiramente a construir uma estratégia de curto prazo para que todos os estudantes retornem às escolas.

"Precisamos de uma agenda nacional, de curto prazo, coordenada pelo MEC e com participação dos estados e municípios", afima a presidente do CNE. Ela ressalta também que as escolas precisam investir em programas de busca ativa e até mesmo criar projetos que ofereçam uma bolsa para os alunos permanecerem nas escolas.

Muitos estudantes, apontam diretores e professores, abandonaram os estudos e entraram no mercado de trabalho no último ano para ajudar na renda familiar.

Os alunos se acostumaram a ficar longe da escola e ficaram em uma situação de vida que nós não sabemos ainda, não temos dimensão. Mas precisamos mostrar para eles a importância da educação e que o ensino faz diferença. Precisamos tornar a escola ainda mais atraente."
Maria Helena Guimarães, presidente do CNE