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Nos EUA, mais de 80 universidades são investigadas por ignorar estupros

Alessandra Corrêa

Em Winston-Salem (EUA)

24/11/2014 08h44

As denúncias de abuso sexual na Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) chama atenção para um problema que tem dimensões internacionais.

Só nos EUA, por exemplo, o Departamento de Educação investiga 86 instituições de ensino superior por supostamente ignorar casos de violência sexual em suas dependências.

A maneira como as universidades americanas lidam com denúncias de estupros e agressões sexuais tem sido alvo de críticas nos últimos anos. Além das investigações do governo federal, a Casa Branca encampa uma campanha de conscientização.

A lista de alvos dos inquéritos inclui algumas das mais respeitadas universidades americanas, como Harvard e Princeton, e não para de crescer. Em agosto do ano passado, menos de dez instituições estavam sob investigação. Em maio deste ano, o número já passava de 50.

Muitos dos casos se assemelham às recentes denúncias de abusos na USP.

E, assim como no Brasil, o aumento no número de investigações se deve em parte à mobilização das próprias vítimas – ou sobreviventes, como preferem ser chamadas. Elas têm levado cada vez mais denúncias ao Gabinete de Direitos Civis (OCR, na sigla em inglês) do Departamento de Educação, responsável pelas investigações.

Em outros casos, a iniciativa de investigar determinada instituição parte do próprio órgão.

Panos quentes

Os relatos das estudantes costumam ser parecidos: elas dizem que, de modo geral, as vítimas de violência sexual nos campi não recebem apoio e são desencorajadas pelas universidades a denunciar os agressores.

As alunas afirmam que, mesmo quando o caso é levado adiante, as denúncias costumam não ser investigadas adequadamente; os agressores não são punidos e, muitas vezes, as vítimas acabam sofrendo retaliações.

"As universidades têm obrigação legal, financeira e moral de proteger seus estudantes da melhor maneira possível ou, se isso falhar, de expulsar aqueles que violaram a segurança de outros", diz a ativista Kerri Kearse.

"Em vez disso, as universidades frequentemente acabam agindo para abafar as vozes dos sobreviventes de violência."

As investigações do Departamento de Educação são baseadas em uma lei federal que proíbe discriminação sexual na educação e obriga as universidades a investigar relatos de violência sexual em seus campi, a chamada Title 9 (Título 9).

Em caso de descumprimento, as instituições correm o risco de ter seu financiamento federal cancelado.

'Depende de nós'

A pressão das sobreviventes, que se mobilizaram por meio de redes sociais e hoje formam um movimento nacional, colocou o tema da violência sexual nas universidades no centro da agenda no debate público americano.

Segundo o governo americano, uma em cada cinco universitárias americanas sofre algum tipo de violência sexual.

Em setembro, a Casa Branca lançou uma campanha nacional para enfrentar o problema, chamada It's On Us (Cabe a Nós, em tradução livre), com a participação de celebridades como os atores Jon Hamm (de Mad Men), Kerry Washington (de Scandal) e do próprio presidente Barack Obama e seu vice, Joe Biden.

"Depende de todos nós, de cada um de nós, lutar contra violência sexual nos campi", disse Obama na época do lançamento.

O objetivo é fazer com que os estudantes ajudem a prevenir a violência sexual e intervenham para evitar casos.

Além de anúncios que buscam conscientizar a população sobre o problema, a campanha pressiona as universidades para que conduzam pesquisas em seus campi para verificar a ocorrência de casos, estudar os fatores de risco e assegurar que procedimentos sejam adotados.

A campanha entrou em uma nova fase com o lançamento de uma "Semana de Ação" em campi do país inteiro. Foram programados mais de 150 eventos, como debates sobre violência sexual, exibição de documentários sobre o tema e oficinas sobre como se defender e como intervir em casos de agressão.

A ação do governo para pressionar as universidades a mudar a maneira como tratam do problema e cumprir a lei ganhou força a partir de 2011, quando o Departamento de Educação enviou uma carta aos presidentes de todas as instituições de ensino superior do país.

Nela, afirmava que "o assédio sexual a estudantes, incluindo atos de violência sexual, é uma forma de discriminação sexual proibida pelo Título 9".

A Casa Branca também determinou padrões mais rígidos para punir os acusados do que os usados no sistema de justiça criminal. A regra é que, em casos de julgamentos nos campi (geralmente conduzidos por professores e diretores), se houver pelo menos 51% de probabilidade de culpa, o acusado deve ser punido.

Práticas polêmicas

Pressionadas, muitas universidades têm agido para mudar suas práticas, com medidas às vezes polêmicas.

Na Califórnia, a nova lei batizada de Yes Means Yes ("Sim Significa Sim", em tradução livre) determina que, antes de relações sexuais, os estudantes das universidades do Estado precisam receber consentimento explícito de seus parceiros - que pode ser verbal ou não, desde que seja claro.

O texto ressalta ainda que falta de resistência não significa consentimento e que pessoas sob efeito de álcool ou drogas ou que estejam inconscientes não estão aptas a consentir.

A lei foi elogiada por grupos de prevenção de violência, mas críticos dizem que pode tornar mais difícil para os injustamente acusados comprovarem inocência.

Muitas universidades adotam políticas semelhantes à lei californiana. Em algumas, como Yale, qualquer ato sexual que não tenha recebido consentimento "positivo, específico e inequívoco" passou a ser considerado considerado agressão.

Uma das maiores polêmicas recentes ocorreu em Harvard. Ao contrário de outras instituições, as novas normas adotadas pela universidade não exigem "consentimento afirmativo", mas proíbem o que chamam de "conduta indesejável".

Mas as regras provocaram críticas, entre elas as de que a definição de conduta indesejável é muito ampla.

No mês passado, um grupo de 28 professores de Direito da universidade publicou uma carta de protesto no jornal "Boston Globe". O texto diz que os procedimentos adotados pela instituição "carecem dos mais básicos elementos de justiça" e dão mais direitos e proteção às vítimas do que aos acusados.