Quebra de expectativa
Envelhecer é bem mais difícil do que se imagina. Não há dermocosmético, cirurgia, dieta, nem exercício que garanta uma volta ao passado. Felizmente, e quando bem combinados, tais recursos garantem um caminhar suave para o futuro. Infelizmente, e muito infelizmente, porque se trata da grande maioria, nem todos os que envelhecem têm condições financeiras para amenizar suas jornadas com esses benefícios.
Aqueles que começam a viver a velhice têm melhores expectativas de longevidade do que nossos avós e pais. As conquistas do desenvolvimento humano se revertem em vantagens, mas também em crescente complexidade.
Não sei de meus avós. Meu pai começou a trabalhar aos 9 anos de idade. Minha mãe trabalhava dentro de casa desde os 6 e, depois, aos 14 anos, ingressou em uma empresa. Meu irmão começou aos 16 e eu, aos 18 anos.
O relato é mero exemplo. Nossa história é a mesma de um sem número de famílias e só confirma a evolução. Embora ainda hoje muitos jovens entrem no mercado de trabalho, seja como aprendizes, a partir dos 16, seja como adultos, aos 18, a tendência das novas gerações é estudar por mais tempo, viver às custas dos pais (ou avós, ou demais membros da família) por mais tempo e começar a trabalhar bem mais tarde.
Base da pirâmide
A figura da pirâmide nos é muito familiar e utilizada com frequência para demonstrar fases (geológicas, econômicas, sociais, entre outras). Pois ela também se presta a ilustrar uma face da velhice na atualidade. Talvez a mais complexa.
Em 2012, um relatório do UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas) amplamente divulgado na época, dizia que já no ano 2000, e pela primeira vez na história, o mundo tinha mais pessoas com mais de 60 anos do que crianças com menos de 5 anos. Com esses dados, foram feitas duas projeções: mais de 1 bilhão de idosos em apenas uma década; e população idosa maior que a população de menores de 15 anos em 2050. Isso, com um agravante: dois terços de idosos com 60 anos ou mais viviam em países em desenvolvimento e, para 2050, essa proporção poderia aumentar para quatro quintos.
No Brasil em desenvolvimento, a previsão apontava para 10% de idosos no total da população em 2012 e 29% em 2050. Em 2007, os maiores de 60 anos já representavam 10,5% da população total.
Idosos, portanto, que há 50 anos ou mais estavam na ponta da pirâmide de uma nação jovem, agora alicerçam a base. Para eles, empresários antenados com o futuro, fecham maternidades e abrem hospitais e clínicas especializados em doenças crônicas. O mercado financeiro e o de turismo também se realinham para atraí-los.
Preparo para o futuro
Os países em desenvolvimento (o Brasil inclusive) não se prepararam para servir os cidadãos de mais idade. A percepção de que a vida se divide em fases mais ou menos equilibradas (infância/adolescência, vida adulta e velhice) mudou. A fase da velhice não é só a que mais cresce como também a que parece ter mais tempo pela frente. Urge criar melhores condições de vida, de trabalho e políticas públicas para os idosos.
Há quem diga que os idosos não pouparam para o futuro. No caso brasileiro, isso corresponde a meia verdade. Porque pais e avós, historicamente, e até hoje, dão tudo de si para sustentar os filhos, pagar os estudos deles, pagar os convênios de saúde da família, ajudar os parentes desempregados e, ainda, pagar uma quantidade imensa de tributos que, na prática, não se revertem em benefícios para a população de qualquer idade. Nunca sobrou, nunca sobra uma parcela para o futuro.
Cidadãos com mais de 60 podem e devem continuar a trabalhar. A Previdência pode ser revista de acordo com o novo padrão de longevidade. Mas, por favor, não vamos esquecer que a grande maioria dos idosos não é aquela que corre nos parques e compra dermocosméticos. A grande maioria depende de benefícios que sempre lhe foram subtraídos, por mais que tenham trabalhado na vida.
* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.
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