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Em Federal no RJ, alunos convivem com obras paradas, lixo e insegurança

No campus da UFRRJ, em Seropédica, há grande quantidade de lixo e entulho acumulado - Marcelo Regua/UOL
No campus da UFRRJ, em Seropédica, há grande quantidade de lixo e entulho acumulado Imagem: Marcelo Regua/UOL

Gustavo Maia

Do UOL, em Seropédica (RJ)

26/03/2013 06h00Atualizada em 26/03/2013 10h55

O laboratório de tecnologia de alimentos vive alagado. O de termodinâmica aplicada funciona em um galpão improvisado. O parque aquático está desativado desde o ano passado. Rachaduras no teto e na parede impedem que alunos de arquitetura tenham aulas de informática. O fornecimento de água e luz é interrompido com frequência. Obras estão paradas. Entulhos e até lixo químico são deixados ao relento. Assaltos já viraram rotina.

Esses são alguns dos problemas que afetam a UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). A lista é extensa e preenche 36 páginas de um dossiê produzido por alunos da instituição, que desde o último dia 13 ocupam o gabinete da reitoria da universidade, no município de Seropédica, na Baixada Fluminense.

Os estudantes reivindicam melhorias para os três campi da universidade – também há unidades em Nova Iguaçu e Três Rios  – e prometem continuar ocupando a reitoria até que seja firmado um acordo para resolver as falhas listadas no dossiê.

Sem laboratório

No meu curso, é imprescindível que a gente tenha computadores para aprender

ANATERCIA GOMES, 20, faz bacharelado em Sistemas de Informação

A grande maioria delas é reconhecida pela reitora eleita, Ana Dantas, que aguarda nomeação para tomar posse oficialmente. Vice-reitora nas duas últimas gestões, a professora atribui muitos dos problemas presenciados pela reportagem do UOL na última quinta-feira (21) ao “passivo histórico” comum a todas as universidades públicas.

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Ela também ressalta que o número de alunos da UFRRJ quase dobrou nos últimos anos por conta do Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). O corpo discente saltou de 7.140 estudantes, em 2005, para 11.728 no ano letivo de 2012, sem contar os 4.532 alunos dos novos cursos a distância. O número de cursos presenciais passou de 22 para 55. Além disso, a quantidade de professores aumentou de 624 para 1.048.

De acordo com a professora, não houve condições de dotar a universidade da estrutura necessária para recebê-los adequadamente no prazo previsto pelo programa.

Infraestrutura

Quem vê o imponente edifício de 1948, patrimônio histórico, que sedia a reitoria da Rural em Seropédica, às margens da BR-465, não imagina os problemas pelos quais passam a universidade. No segundo maior campus universitário do Brasil, com 3,5 mil hectares, pipocam irregularidades decorrentes da falta de manutenção e, segundo os alunos, do descaso.

Em épocas de chuva, o laboratório de tecnologia de alimentos, no Instituto de Tecnologia, fica alagado. Na última semana, a reportagem flagrou produtos químicos boiando na água. Há relatos da presença de pequenas cobras no local. Por conta de erro estrutural, há do lado de fora do prédio um – ineficaz – sistema de bombeamento de água improvisado.

O Laboratório de Termodinâmica Aplicada funciona em um galpão sem condições adequadas para a realização de experimentos com produtos químicos. “Fazemos trabalhos de alta periculosidade em um ambiente completamente insalubre”, relata o bolsista de pesquisa Marcio Cypriano, 22 anos, que cursa engenharia química. No local, não há ventilação ou saída adequada para os gases. “Temos um termômetro aqui dentro e a temperatura já chegou a 50°C”, conta. Os produtos químicos são estocados em caixas de papelão pelos próprios bolsistas.

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No campus há grande quantidade de lixo e entulho acumulado. Entre os resíduos, há recipientes de produtos químicos em contato direto com o solo. As quedas de energia são frequentes em toda a universidade e interrompem aulas constantemente.

No pavilhão do IT, um auditório e um laboratório de informática cujas paredes apresentam rachaduras foram interditados pela direção do curso. No mesmo prédio, as paredes de algumas salas de aula, reformadas há aproximadamente dois anos, possuem mofo e infiltrações. 

Nos banheiros dos alojamentos masculinos, há infiltrações e fiação elétrica exposta. Em um deles, o vazamento no teto vem do mictório de outro banheiro, no andar superior, segundo um funcionário. O problema causa um mau cheio permanente ao local. “Quem entra aqui precisa usar guarda-chuva pra não levar um pingo de urina na cabeça”, ironiza o auxiliar de limpeza.

A manutenção dos banheiros é feita de forma improvisada pelos próprios alunos. Para vedar canos, a solução encontrada foi amarrar sacos plásticos. Há problemas também com o fornecimento de água.

Falta de iluminação e assaltos

A falta de segurança na universidade é outro quesito presente na pauta de reivindicações dos estudantes, que reclamam dos cada vez mais frequentes assalto dentro do campus. “A iluminação não funciona em grande parte do campus, apesar de haver aulas no período noturno”, relata Douglas Nobre. Segundo ele, houve a denúncia de um estupro dentro das dependências da universidade, em 2010. 

Segundo a reitora eleita Ana Dantas, já foi pedido apoio à Polícia Militar, mas a universidade não tem como contratar vigilantes porque este cargo foi extinto. “Não podemos repor o nosso quadro.”

Nas “ruas” que ligam os prédios dos institutos, em Seropédica, as condições são precárias para os pedestres. Além de nem todas as vias serem asfaltadas, não há calçadas.

Decepção

Jefferson Benigno, 21, cursava Agronomia no Tocantins e em 2012 saiu da terra natal para estudar o mesmo curso na Rural, em Seropédica. “Vim pra cá atraído pelo nome da instituição e encontrei uma universidade sucateada”, lamenta. “O meu objetivo era me tornar um bom profissional. Mas como eu posso fazer isso se não tenho as condições necessárias para aprender?”.

Anatercia Gomes Pinheiro, 20, faz bacharelado em Sistemas de Informação, curso criado em 2010. Não há sequer laboratório de informática. “No meu curso, é imprescindível que a gente tenha computadores para aprender”, afirma.

Thiago Neves, 20, estudante de Engenharia de Materiais, conta que o curso não tem professores suficientes e que o laboratório está pronto, mas os equipamentos não chegaram. “Ninguém nos dá nenhum prazo. As duas turmas mais avançadas estão correndo o risco de não se formarem no tempo certo por causa disso. Está bem complicado.”

Os professores da UFRRJ, que pediram para não ter os nomes divulgados, acompanham os alunos nas reclamações. “Existir um laboratório sem equipamentos é um absurdo”, critica um dos docentes.

Uma professora ameaça não dar aula no próximo semestre se não tiver à disposição os equipamentos necessários para ensinar. “Estou quebrando um galho dando aula agora, pedindo que os alunos tragam seus computadores para uma sala que outro curso nos emprestou. Mas é uma situação muito injusta. E os alunos que não têm? Essa universidade é pública”, alerta.

A Adur-RJ (Associação de Docentes da UFRRJ) emitiu uma moção de apoio ao movimento dos estudantes após assembleia realizada na última quinta (21).