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Aos ignorantes, a ilusão de liberdade

Claudio Capucho/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Imagem: Claudio Capucho/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Guilherme Perez Cabral

07/08/2017 04h00

A liberdade não é um recurso disponível para o ignorante.

O ignorante só pode vivê-la como ausência de amarras externas: o aspecto físico da liberdade que, embora fundamental, não esgota, absolutamente, o seu conceito. O fato de não estar acorrentado não é suficiente para que sejamos efetivamente livres.

Pois, em seu sentido mais pleno, a liberdade envolve ainda a capacidade de autodeterminação, de escolha. Envolve a aptidão para a solução dos conflitos vividos no cotidiano. E, para tudo isso, envolve a capacidade de pensar criticamente o mundo a nossa volta: o pensamento emancipado de cabresto e da tutela dos outros.

Ser livre implica conhecimento e responsabilidade. Não é só o amor, como diz Drummond. A liberdade também começa tarde. É privilégio dos maduros.

A ignorância, o medo do desconhecido, o preconceito e as pequenas verdades repetidas por aí nos aprisionam. Nos tornam escravos de forças que não controlamos: vontades e impulsos incontidos, hábitos irrefletidos, o acaso. O ignorante não vive a liberdade. Só uma ilusão dela.

Daí se dizer que a educação é --pelo menos, pode ser-- libertadora.

Me interessei pelo tema da Educação, especificamente do ensino jurídico, ainda na faculdade. Não faz muito tempo. Pouco mais de dez anos. Uma das críticas que se fazia era a prática de ensino superficial, pobre, baseada em Manuais.

Diziam os críticos, o curso de graduação em direito é manualista. O complexíssimo fenômeno do direito, das normas que regem a vida humana, misturando moral e política, história, filosofia, sociologia, psicologia, etc., é reduzido, simplificado. Passa a caber dentro de um manual. Na palma das mãos.

No seu curso de introdução ao direito, o jurista português António M. Hespanha lembra que poucas questões sociais foram postas com tanta persistência e respondidas por grandes pensadores de forma tão diversa e mesmo contraditória, como a questão “o que é direito?”.

Bobagem, diriam os adeptos do manualismo. Os manuais, com o nome do código (manual de direito penal, manual de direito civil, etc.), têm todas as informações necessárias, todas as respostas que você precisa.

Acontece que, hoje, alunos reclamam até do manual. Acham muito difícil (muitos professores também!). Preferem textos mais mastigados. No máximo, as Sinopses, resumos de manuais com uma visão panorâmica da matéria.

Exigem e consomem facilidades. Dedicar-se à leitura, à pesquisa implica dificuldades, rigores que não se está mais disposto a suportar. A educação é facilitada, simplificada e não liberta ninguém.

O sujeito pode concluir a graduação e a pós-graduação, fazer carreira bem-sucedida de juiz, advogado, promotor ou professor, passando a vida inteira sem o terror de precisar pensar por si. Sem nunca experimentar a liberdade, portanto.

Em 1784, no texto “Resposta à pergunta: que é Iluminismo?”, Kant (que ninguém lê, pois disseram que é difícil) chamava a atenção para a nossa “menoridade”, isto é, a incapacidade de servir do próprio entendimento, sem a orientação de outrem.

Permanecemos assim, menores e ignorantes, cobrando mais e mais facilidades. Irritados por desejos incontidos, exigimos dos outros a solução para nossos problemas.

Há pouco pensamento crítico. Pouca liberdade, em seu sentido mais pleno. Mesmo desamarrados, não são muitos os quem ousam dar um passo próprio para fora da carroça.