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Os EUA saíram da Unesco

Kevin Lamarque/Reuters
Imagem: Kevin Lamarque/Reuters
Guilherme Perez Cabral

16/10/2017 04h00

Os Estados Unidos anunciaram a saída da Unesco, noticiaram os jornais no feriado. Alguns lamentaram. Outros não. Muitos nem viram. Muita gente, simplesmente, não sabe o que isso significa. Contextualizemos o debate um pouco, então.

No âmbito de cada país, ensina-se, o controle social e a regulação da convivência são realizados por uma estrutura centralizada de poder, o governo. Por aqui, divide-se em três: o Executivo, com o presidente, os governadores, os prefeitos; o Legislativo, exercido pelo Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais; e o Judiciário, formado pelos juízes e tribunais.

Eles mandam, a gente obedece. Para os que não são ajuizados, para quem desrespeita a lei e a ordem, tem a polícia, a pena, a repressão, para forçar o cumprimento.

Acontece que os Estados e seu direito estão impregnados de relações desiguais de forças políticas e econômicas. Prisão, em regra, é lugar de pequenos criminosos, traficantes e ladrões. Quanto aos graúdos, os que roubam na casa dos milhões, estão no Congresso Nacional, Palácio do Planalto e nas outras instâncias do poder que citamos, usufruindo privilégios e foros privilegiados.

A prática internacional é parecida. Os grandes ditando as regras em seu benefício, os pequenos tendo de obedecer. A grande diferença está na ausência de uma estrutura central de poder. Não há presidente mundial, nem parlamento global fazendo leis a serem cumpridas por todo o mundo, sob pena de prisão por uma PM internacional.

Por isso, muitos dizem que direito internacional não existe. É uma falácia, sem efetividade nenhuma. Para mim, é injusta a crítica assim limitada. Afinal, se diz respeito à constatação de que o direito traduz uma relação de poder, que quase sempre beneficia poderosos, em detrimento dos mais fracos, o mesmo vale para o direito interno. O direito como um todo, interno e internacional, tem sido, não raro, um grande embuste.

Pois bem. O (des)governo do mundo, sem um presidente – fala-se, aqui, em “governança global” – é efetivado por um delicado ajuste de forças, cujos principais atores são os países com mais dinheiro e mais bombas para destruir a humanidade.

E há organizações internacionais, ligadas à ONU (Organização das Nações Unidas), que atuam muitas vezes só com palavras, outras com ações também, em vista da paz mundial e do desenvolvimento econômico e social. As principais, claro, são as que cuidam de assuntos econômicos, como a OMC (Organização Mundial do Comércio) e o FMI (Fundo Monetário Internacional).

Há outras, em campos específicos da miséria humana, como a OIT (Organização Internacional do Trabalho), a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), a OMS (Organização Mundial da Saúde), etc. Entre elas, ainda, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), ora desdenhada pelos Estados Unidos. O desdém, é verdade, não é de hoje. Reagan também a esnobou. Obama deixou de pagar as contribuições acordadas.

A Unesco tem por objetivo contribuir com a paz e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos, promovendo colaboração entre as nações por meio da da educação, da ciência e da cultura, sem distinção de raça, sexo, idioma ou religião.

Nessa atuação, contraria interesses de alguns ao reconhecer de direitos de outros. É a vida. Por exemplo, reconheceu a Palestina e no conflito sem fim entre árabes e israelenses viu razões nos argumentos dos primeiros. Daí o bico norte-americano.

Trump, então, atuou como sempre atuam os donos do poder, nas esferas nacionais e internacional. Quando as regras deixam de ser um privilégio, quando as organizações e a ordem não atendem mais aos seus interesses privados, recusam-nas. Golpeiam-nas.