Como construir caminhos para a educação em meio ao impeachment

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal

Passada a votação do último domingo (17) sobre a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a sociedade brasileira tem agora um longo caminho pela frente. Precisamos reconstruir pontes que favoreçam um diálogo efetivo para a saída da crise, tanto econômica como política. Mas neste percurso o que acontece com nossa educação?

Dada a emergência da crise econômica que paralisou o país, aumentando o desemprego de forma avassaladora, diferentes economistas apontam saídas para o ajuste fiscal. Já do lado governista, a ênfase fica na manutenção de programas como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, ao lado do aumento da oferta de crédito.

Infelizmente, a educação tem sido esquecida por ambos os lados. Assim, fica mais uma vez para trás não só o futuro do Brasil, mas o próprio presente, com suas escolas e alunos. Ajustes de qualquer ordem poderão destravar a economia, mas não trarão mais produtividade ou impulsionarão as inovações consistentes que o mundo global exige. Sem falar, é claro, dos direitos e da importância de construirmos uma cidadania apta a debater de forma mais qualificada sua participação na sociedade. Para isso, precisamos de uma melhor educação.

Os diferentes agentes da educação (como escolas, universidades e organizações da sociedade civil) têm alcançado nos últimos anos consensos em torno de importantes programas ou metas, mesmo tendo posições ideológicas distintas entre si. Esse é o caso do Plano Nacional de Educação, que oferece um mapa que norteia as ações de todas as instâncias com relação à educação, e também é o caso atual da Base Nacional Comum Curricular.

A vontade e a motivação das pessoas para participarem do momento político atual devem ser potencializadas para que não deixemos escapar de nossas mãos a luta pela melhoria da qualidade da educação brasileira.

Em tempos de cortes de orçamento, a sociedade civil pode pressionar seus governantes, exigindo mais transparência e melhor uso dos recursos públicos. É importante também que façamos as seguintes questões: afinal como é gasto o dinheiro destinado à educação básica? Que resultados foram alcançados? Como está a avaliação do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)? E a infraestrutura das escolas? E a educação infantil, todas as crianças estão matriculadas? Os jovens estão cursando o ensino médio? São oferecidas a eles oportunidades de formação técnica? E o Enem? E os professores, estão recebendo o piso? Têm condições de trabalho e respondem pelos resultados?

Tendo o Plano Nacional de Educação como referência, a implementação do Sistema Nacional de Educação poderá ser um caminho para uma educação de qualidade em todo o Brasil. Contudo, precisamos tornar a gestão dos diferentes estados mais efetiva no alcance da qualidade para todos, contribuindo muito para um melhor uso dos recursos.

Finalmente, é necessário destacar a importância da implementação da Base Comum, que garantirá que todos os alunos do país tenham acesso ao mesmo conteúdo ao longo da educação básica. Para que governos e sociedade se mobilizem pela importância do conhecimento, um caminho pode ser investir em eventos como festivais e feiras de literatura, ciências e matemática, gincanas, concursos e prêmios voltados à educação.

Vale repetir a importância de superarmos a cultura dos diplomas. Afinal, o que realmente faz a diferença na vida das pessoas e do país é a apropriação de conhecimentos que abram as portas da participação cidadã qualificada e de melhores condições de trabalho e de vida. Trata- se da ampliação de referências culturais que possibilitarão novos vínculos entre as pessoas e o conhecimento e com as diferentes instituições que organizam a vida social.

Chavão do senso comum é falar que crises podem se reverter em oportunidade. Pois agora estamos diante dessa possibilidade. Resta saber se realmente conseguiremos amadurecer com todo esse doloroso processo que estamos vivendo.

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.

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