Inspiração para a semana: os resultados do Prêmio Educador Nota 10 de 2016

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal

Em momentos difíceis para educação, foi muito bom assistir a entrega do Prêmio Educador Nota 10, realizado com apoio da Fundacão Vitor Civita, Fundação Lemann e Fundação Roberto Marinho.

Sentada na plateia, enquanto ouvia Sandra Annenberg apresentar cada um dos 10 ganhadores e assistia aos vídeos que mostravam seus trabalhos, relembrei de forma muito concreta o sentido maior de toda nossa luta e trabalho pela educação: a crença de que professores e escolas que dedicam seu trabalho profissional de forma tão comprometida com a aprendizagem de seus alunos podem fazer toda a diferença nas vidas das crianças e adolescentes. Ao ver tantos jovens professores e professoras serem os ganhadores desse Prêmio, a esperança se renova.

Os vencedores trabalharam com temas e disciplinas diversas, dando exemplos incríveis de criatividade e comprometimento. Dentre os ganhadores, estão pessoas que atuam nas creches, ao reforçar a individualidade de cada bebê e os vínculos com a família, e na educação infantil, com o tema das tartarugas do projeto Tamar, a leitura dramática e as oficinas de escrita.

No ensino fundamental, vimos trabalhos inspiradores com games e até mesmo uma caça ao tesouro para o ensino de Matemática. Já a Geografia foi utilizada como uma forma de construir identidades e abordar a educação indígena. E finalmente, temos o grande vencedor da noite. Wemerson da Silva Nogueira é um professor de Ciências do Espírito Santo que utilizou o estudo de tabela periódica como instrumento de análise das águas do Rio Doce.

O seu trabalho é não apenas inspirador como também contemporâneo e em sintonia com a vida dos alunos. Um ano após o rompimento da barragem de Mariana (MG), a vila de Regência Augusta, última comunidade pescadora à margem do Rio Doce, no Espirito Santo, foi vítima dos rejeitos de mineração que vazaram da barragem de Fundão, propriedade da Samarco. O professor Wemerson reuniu notícias, imagens e dados sobre o Rio Doce para articular o tema do rompimento da barragem aos conteúdos de Ciências.

O trabalho envolveu pesquisa dos alunos junto aos moradores, coletas de amostras de água e análises no laboratório da escola. Para que isso fosse possível, a turma contou com a ajuda da diretora, que conseguiu que o laboratório fosse equipado com kits para fazer os testes de pH, turbidez e alcalinidade da água do Rio Doce, que indicaram a sua acidez e transparência. Os grupos de alunos foram organizados para analisar passo a passo essa experiência.

Após a constatação do enorme estrago feito pela tragédia, que impactou toda comunidade, um dos alunos da classe levantou a possibilidade de inventarem alguma coisa que tornasse possível o uso da água contaminada. A partir dessa questão, professor e alunos pesquisaram na internet diversos tipos de filtros e conseguiram produzir um protótipo, que foi instalado em mais de 50 casas da região, permitindo o uso da água para a limpeza doméstica e para regar plantas.

Ainda há muitas casas na fila para receber os filtros criados pela turma. O professor Wemerson afirma que dá para filtrar 100 litros por dia com a criação de seus alunos.

A beleza desse trabalho está na conceituação e nas diferentes fases de seu desenvolvimento. Nele, vemos o uso de um contexto significativo, a relação direta com a comunidade, a experimentação científica, a conexão com o conteúdo disciplinar e as pesquisa com a comunidade e outros meios de informação para a construção do conhecimento.

Nas aulas de Wemerson, o trabalho em grupo foi fundamental e teve um excelente retorno, com a criação de uma solução para remediar o grave problema da água infectada. É a escola como centro irradiador do conhecimento!

O desafio de ser professor em um país que ainda não aprendeu a valorizar a profissão é enorme, mas exemplos como o de Wemerson e os demais finalistas do prêmio Educador Nota 10, assim como os de milhares de outros professores espalhados por todo o país, revelam a potência dos nossos educadores.

Muitas vezes a escola está tão preocupada em dar as respostas que esquece que frequentemente o maior aprendizado vem das perguntas que os alunos fazem. Foi esse o caso do aluno que levantou a questão: e se a gente inventasse um filtro para voltar a usar a água do Rio Doce?

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.

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