O Brasil do futuro precisa investir agora na educação de seus jovens
-
Thinkstock
"Acho que [meus pais] nunca me sonharam sendo um psicólogo, nunca me sonharam um professor, nunca me sonharam sendo um médico. Nunca me sonharam. Eles não sonhavam e não me ensinaram a sonhar. Estou aprendendo a sonhar". A frase, do jovem Felipe Lima, é sem dúvida um dos depoimentos mais impactantes do documentário realizado pelo Instituto Unibanco.
Nossos jovens, em sua maioria filhos de pais com baixa escolaridade, não só precisam como têm direito à educação de qualidade. É dever do Estado garantir uma escola que desperte o prazer pelo conhecimento, amplie o repertório cultural dos estudantes, reconheça os contextos no quais estão inseridos, possibilite acessar melhores oportunidades de trabalho e contribua para o exercício da cidadania.
Porém, como nossos jovens podem escolher aquilo que não conhecem? Como almejar uma perspectiva de futuro melhor se suas famílias, seus professores e o próprio poder público não acreditam em seu potencial? Como seguir com os estudos após uma gravidez indesejada ou frente à necessidade de ingressar precocemente no mercado de trabalho para compor a renda familiar? Como concorrer a uma vaga na universidade sabendo da ampla concorrência e da baixa qualidade da educação pública, que atende 82% dos estudantes brasileiros?
Estas são algumas das questões que nos obrigam a refletir sobre o tipo de escola que estamos oferecendo aos nossos jovens. Quantos dos mais de 8 milhões de estudantes matriculados no Ensino Médio passam pelas salas de aula e, ao contrário de Felipe, nunca aprenderam a sonhar?
O Brasil está perdendo seus jovens. Somente em 2015, mais de 922 mil estudantes foram reprovados no Ensino Médio e mais de 545 mil abandonaram a escola. Além de garantir o acesso e a aprendizagem de todos e todas, precisamos também avançar na construção de políticas que levem em conta valores caros aos adolescentes e jovens, como reconhecimento, valorização do grupo, autonomia, protagonismo, autoria e o desenvolvimento de atividades que lhes permitam sentirem-se pertencentes à escola.
É preciso ter clareza que grande parte das mazelas do Ensino Médio brasileiro tem sua origem nas etapas anteriores da Educação Básica, em especial nos anos finais do Ensino Fundamental que já registra altas taxas de reprovação e abandono. A Educação Infantil ainda é para poucos. Não alfabetizamos todas as crianças na idade esperada.
As escolas não têm infraestrutura adequada. Os profissionais da educação carecem de formação inicial e continuada de qualidade e precisam urgentemente ser valorizados. Eles são a chave mestra para uma educação de qualidade e os jovens sabem disso. Eles reconhecem quando têm um bom professor ou diretor.
Somente políticas de Estado sólidas podem reverter o quadro de naturalização das desigualdades educacionais, em que a educação e o acesso ao conhecimento seguem como um privilégio de poucos. Neste contexto, é preocupante o fato de não termos muito o que comemorar no aniversário do PNE (Plano Nacional de Educação), que acaba de completar três anos.
Segundo levantamento do Observatório do PNE, que reúne diversas organizações que atuam na Educação, entre elas o Cenpec, apenas seis dos 30 dispositivos relacionados à Educação Básica que deveriam ter sido cumpridos até o ano de 2017 foram realizados.
O não cumprimento do PNE significa que o país seguirá improvisando políticas e programas educacionais, sem uma visão de Estado e de longo prazo. Superar esta lógica significa realizar bons diagnósticos da realidade educacional, boa gestão e ampliação dos recursos investidos, além de avaliação consistente para aperfeiçoar as políticas.
Para isto, é imprescindível olhar para os estudantes e compreender os desafios cotidianos que estes enfrentam em seus territórios, como a pobreza, a violência, a discriminação, a falta de acesso a equipamentos públicos de lazer e bens culturais, entre outros.
Nossos jovens almejam romper o círculo vicioso da pobreza. E isto não é possível sem acessar o mundo do conhecimento desde a primeira infância. Querem que a escola seja realmente deles. Querem uma vida melhor. Querem aprender a sonhar. E mais: querem realizar sonhos.
Maria Alice Setubal
Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.