Como tornar a escola um espaço de escuta, expressão e diálogo?
Em entrevista recente, Claudia Costin destaca um aspecto curioso de nossa cultura escolar: o pouco espaço para o diálogo. Conforme aponta a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe) da FGV-Rio, embora sejamos um povo que gosta muito de conversar, a troca de ideias na escola tende a ser reprimida, se não mal vista.
De fato, esse descompasso entre a nossa cultura e o cotidiano escolar já foi apontado por inúmeros estudos em diferentes períodos. Contudo, a situação parece se agravar num contexto em que o acesso à internet vem revolucionando as formas de conhecer, pensar e agir sobre o mundo contemporâneo. Não à toa, desde as jornadas de junho de 2013 até as recentes ocupações de colégios promovidas por grupos de estudantes secundaristas, tem ficado claro que as respostas de muitas de nossas instituições aos anseios e aspirações de nossa juventude e às demandas da sociedade contemporânea têm se mostrado insuficientes.
Com a escola não é diferente. Embora haja muitas iniciativas interessantes e dignas de reconhecimento na diversidade que marca nossas redes de ensino, nossa cultura escolar ainda é caracterizada por uma prática que não dá espaço para a conversa, muito menos para o debate e a troca de ideias.
Os resultados dessa lógica podem ser percebidos em múltiplos aspectos, todos com impactos perversos na vida dos jovens e na nossa dinâmica social. Eles se manifestam, por exemplo, no grande número de conflitos e agressões verbais e até físicas entre os estudantes e entre estudantes e professores; ou ainda, quando olhamos para as redações do Enem e para os resultados das avaliações externas, que mostram que faltam aos nossos jovens conteúdos e capacidade de construção de argumentos para dialogar de forma compreensível com seu interlocutor.
Reverter essa lógica e ampliar o diálogo, a mediação e a escuta é fundamental --não só para manter o respeito e uma convivência pacífica entre diferentes no ambiente escolar, mas também para que nossos jovens sejam capazes se expressar e se prepararem para uma participação efetiva numa sociedade que exige cada vez mais posicionamentos e diálogo. É por isso que Projetos de Lei como o Escola Sem Partido preocupam, pois apontam para a interdição do debate entre ideias, venham elas da família, do estado, da mídia, das igrejas ou de quaisquer outras instituições.
Criar este ambiente de respeito e diálogo é missão de todos e parte da tarefa tem sido protagonizada pela mobilização de nossos jovens. Cabe aos estados ouvi-los e criar leis e normas que balizem uma gestão democrática da educação, conforme previsto pela meta 19 do Plano Nacional de Educação. Seria desnecessário dizer, não fosse a realidade truculenta com que muitas decisões sobre políticas educacionais têm sido tomadas, que tal regulamentação deve ser democraticamente construída, por meio de um amplo processo de consulta à comunidade escolar e à sociedade.
Para além da regulamentação, porém, é preciso observar que gestão democrática se dá na prática e há muito o que a comunidade escolar pode fazer. Aos professores, coordenadores, diretores e gestores das redes de ensino, cabe fomentar esta cultura, mantendo-se abertos ao diálogo e respeitando estruturas como os conselhos de escola. Os pais e mães também podem e devem participar desses espaços e de outros como associações de pais e mestres.
Outra proposta bastante efetiva que pode ser adotada pela comunidade escolar são as metodologias de avaliação participativa, como os Indicadores de Qualidade na Educação. A proposta desses instrumentos é colocar alunos, professores, diretores e pais para, em diálogo, avaliar aspectos da realidade de sua escola, elencar prioridades, estabelecer planos de ação e implementar e monitora seus resultados.
Todas essas propostas são bastante potentes para ampliar o diálogo no conjunto da instituição escolar, mas é preciso lembrar também que a troca de ideias não pode estar restrita aos processos de planejamento e avaliação. Ela precisa adentrar um dos espaços privilegiados do processo de ensino e aprendizagem: a sala de aula. Para atender às demandas de nossa juventude, é premente fazer com que as aulas e demais atividades pedagógicas estejam mais próximas do cotidiano e com experiências autênticas, que devem se articular com valores como diálogo, respeito, reconhecimento, diversidade, participação e cooperação.
A sociedade contemporânea demanda por mais participação, protagonismo e autoria nas diversas partes do mundo. Manter uma escola aberta à comunidade, às questões contemporâneas e às novas tecnologias, redefinindo-se como um espaço de encontro e de diálogo, e ao mesmo tempo priorizar a construção do conhecimento pode ser considerado como o maior desafio da educação contemporânea. Enfrentá-lo é fundamental para avançarmos em direção a uma educação para o nosso tempo.
Maria Alice Setubal
Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.