Por que não temos um país das federais?
A divulgação dos dados do Pisa, programa internacional que avalia sistemas educacionais de 70 países, ocupou mais uma vez as manchetes da mídia esta semana. O Brasil caiu na pontuação das três áreas avaliadas e o mau desempenho o colocou na 63ª posição em ciências, na 59ª em leitura e na 66ª posição em matemática. De novo, depois da reforma do Ensino Médio, a educação brasileira --ou seu fracasso-- é debatida amplamente na sociedade.
Em matéria publicada neste domingo no jornal O Estado de São Paulo, o jornalista Rolf Kuntz considera que a educação é a síntese dos nossos fiascos. Talvez a natureza tão concreta dos baixos resultados dos estudantes nestas avaliações contínuas tenha finalmente desnudado processos que estão entranhados nas nossas instituições e em nossa cultura de modo geral.
Temos que levar em consideração que os países desenvolvidos e também os asiáticos priorizaram a educação desde a década de 70, ou mesmo antes. Assim, eles investem há anos em temas como currículo, equidade e formação de professores. No Brasil, a priorização da educação aconteceu somente a partir da década de 90, erro histórico que trouxe uma defasagem muito grande --e que agora tentamos diminuir. Outro agravante é que no país os eixos da equidade e da valorização dos professores ainda são pontos levados a cabo por secretarias isoladas e não valores e princípios que perpassam toda a política educacional.
Voltando aos dados do Pisa, algumas matérias da imprensa nacional ressaltaram os bons resultados das escolas federais no Brasil. Se o conjunto delas fosse considerado como um país, ele ficaria em 11o lugar no ranking internacional na área de ciências, ultrapassando tanto as redes públicas como a privada.
Mas o que não se aponta com clareza é que essa rede de escolas federais abriga um número muito pequeno de alunos (menos de 2% das matrículas totais na rede pública) e, principalmente, que existe uma seleção de alunos realizada por meio de testes, os chamados vestibulinhos. Esse tipo de prática acaba por eleger estudantes com maior nível socioeconômico, barrando as possibilidades da maioria dos jovens oriundos de famílias mais vulneráveis de terem acesso a essas escolas.
As federais são exemplos contundentes de que naturalizamos as desigualdades no Brasil: damos muito para poucos e mostramos seus resultados como uma grande vitrine, afirmando que somos capazes de ofertar uma educação de qualidade. Oscilamos entre a busca de soluções mágicas, a bala de prata que resolverá todas as mazelas do nosso sistema de ensino, e políticas de sucesso que atingem uma pequena parcela dos estudantes.
Para romper este ciclo, precisamos acreditar que temos maturidade, conhecimentos técnicos e recursos para superarmos esse desafio para o país como um todo, não apenas para uma minoria. Contudo, é preciso que a priorização da educação saia do discurso e se concretize em ações e políticas de Estado que não se esgotem em um governo.
Alguns instrumentos já foram discutidos, como o Plano Nacional de Educação (PNE), um passo importante em nossa história. Agora, ele precisa ser reavaliado frente à nova realidade econômica e implementado de forma consistente, assim como a Base Nacional Curricular Comum, uma de suas dimensões. Ao invés de apenas compararmos nosso desempenho com o de outros países, devemos seguir os seus exemplos e priorizar a educação de qualidade para todos, com foco na valorização dos professores e em políticas de equidade.
Maria Alice Setubal
Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.