Por que o Nobel de Dylan é importante para a educação
O Prêmio Nobel dado para Bob Dylan na última semana é o reconhecimento internacional de novas formas de literatura. Suas músicas, a maioria delas escrita há mais de 30 anos, continuam atuais e refletem as mudanças e a flexibilidade da sociedade contemporânea.
Na semana seguinte ao dia do professor, essa mensagem pode ser um aval para que os educadores olhem para nossos poetas populares – como Maria Bethania, Chico Buarque e tantos outros exemplos, inclusive vindos de estilos como o rap e o hip hop – e para suas canções, construindo significados mais próximos de nossos alunos.
Quando o jovem se reconhece nos conteúdos, ele sente-se valorizado e capaz de estabelecer relações com o mundo cotidiano. Isso traz uma nova motivação para que o aprendizado possa acontecer de forma mais efetiva, dentro e fora da escola.
Valorizar o professor passa por salários dignos, planos de carreira e formação adequada. Mas passa também por reconhecê-lo como um sujeito que, ao mesmo tempo, aprende e ensina. Como um profissional que é muito solitário e por isso precisa urgentemente de espaços de trocas coletivas com seus pares.
Valorizar o professor é apoiá-lo na sua tarefa de garantir a aprendizagem de todos seus alunos, dando-lhe as condições necessárias para que isso se efetive. E é também consultá-lo e envolvê-lo na criação, aprimoramento, implementação e avaliação das políticas públicas, pois no dia a dia são os professores os maiores responsáveis pelo monitoramento dos sucessos e obstáculos de nossas políticas educacionais.
Nossas escolas estão muito voltadas para o passado, que sem dúvida nos traz a possibilidade de compreensão do percurso histórico de como chegamos até aqui. Mas, como nos disse a filósofa Hannah Arendt, precisamos olhar para o passado não como algo estático, rígido, impenetrável, e sim encontrar nele os pontos que brilham de modo a significá-los no presente e apontar os direcionamentos para o futuro, para o novo que se anuncia. Bob Dylan anunciou o novo.
O professor tem a palavra, ele pode criar as narrativas que fazem pensar, lembrar, estimular a leitura do mundo, possibilitando o encontro dos sentidos. A escola é o espaço da troca, onde cada criança e jovem se vê numa interação com muitos outros, numa interação com o diferente que vai além de sua família.
Assim, é essencial reconhecer professores e alunos como autores da palavra, como indivíduos com voz própria, capazes inclusive de criar e apreciar literatura na forma de músicas. Somente desse modo a circulação de sentidos se ampliará em uma construção coletiva, baseada no diálogo e culturalmente diversa. É preciso continuar a boa nova que Bob Dylan anunciou.
Maria Alice Setubal
Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.