O medo da prova revela que precisamos rever nossas avaliações

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal

Quem nunca ouviu frases como estas: "se o aluno não foi bem no teste, é porque não se esforçou o suficiente", ou, ainda, "professor bom é rigoroso, reprova boa parte da sala e suas provas deixam os alunos amedrontados"... Estas falas, tão comuns no cotidiano de escolas e universidades, evidenciam que a cultura de responsabilização dos estudantes pelo baixo desempenho ainda é muito forte no Brasil.

Exemplo disso é o fato de oito em cada dez estudantes brasileiros afirmarem sentir muita ansiedade antes das provas, mesmo quando acreditam estar preparados para elas. Esta é uma das conclusões do relatório Resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) 2015: Bem-Estar dos Estudantes. Segundo o estudo, tanto os alunos com baixa proficiência, quanto os de alto desempenho sentem-se pressionados antes de realizar os testes. Mas por que isto ocorre?

Uma possível explicação para este cenário reside no fato de a avaliação ser utilizada somente para classificar ou reprovar os alunos. Contudo, é preciso lembrar que o objetivo maior da escola é que os estudantes aprendam. Ser aprovado ou tirar boas notas são aspectos importantes, mas devem ser compreendidos como decorrência da aprendizagem.

Estamos entre os países que mais reprovam, apesar dos inúmeros malefícios que esta prática traz para a trajetória escolar dos estudantes e sua aprendizagem, como demonstram inúmeros estudos nacionais e internacionais. Investigar as causas da reprovação é, portanto, um passo importante para enfrentar o problema.

Recente pesquisa do Cenpec, realizada com uma amostra de 5.500 professores da educação básica, indica que embora 77,8% dos participantes não tenham posicionamento claro sobre a reprovação, a crença de que é bom reter os estudantes tende a ser acompanhada por uma forte adesão a uma concepção meritocrática de justiça educativa. Mas será que a garantia do direito de aprender depende apenas do empenho de cada estudante?

Quando o assunto é educação, muitos fatores influenciam a aprendizagem, como escolaridade dos pais, nível socioeconômico dos estudantes, condições de funcionamento da escola, formação e qualificação dos professores... Por isso, é um equívoco atribuir o acesso ao conhecimento unicamente como fruto do talento e, especialmente, apenas do esforço individual.

Além de classificar e ser usada como critério de reprovação, a avaliação pode e deve ocupar outro lugar: o do diagnóstico. Seus resultados devem orientar a prática docente, indicar lacunas na aprendizagem, ser matéria prima do planejamento escolar para que o professor possa aperfeiçoar e até rever suas práticas pedagógicas. Para que isto ocorra, a formação continuada dos educadores, realizada na própria escola, é essencial.

Foi o que fez Janaína Oliveira Barros, que em 2013 atuava como coordenadora pedagógica da EM Professora Ivani Oliveira, em Seabra, a 456 quilômetros de Salvador. Ela foi uma das vencedoras do Prêmio Educador Nota 10 após desenvolver um projeto de formação que visava melhorar a qualidade das provas aplicadas na escola. Após um longo processo de formação, os professores conseguiram superar o descompasso entre o que está no planejamento escolar, o que efetivamente é ensinado e os conhecimentos que os estudantes devem demonstrar nos testes.

Certamente, o temor da prova é menor quando a avaliação é utilizada como mais uma etapa do processo de ensino e aprendizagem. Sem superar a lógica do erro como critério para punição, os alunos continuarão sentindo-se intimidados pelas avaliações.

Reverter esse quadro, portanto, passa necessariamente pela oferta de bons programas de formação continuada, como os ofertados pelo Instituto Chapada, pelo qual Janaina passou. Não se trata de culpabilizar os mais de 2 milhões de professores que atuam nas escolas brasileiras, mas sim de assegurar as condições necessárias para que a cultura da reprovação possa, de fato, deixar de ser uma realidade. Este é um importante passo para que os testes deixem de ser um fator de angustia para nossos estudantes.

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.

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