As tecnologias podem transformar a educação?
A rapidez das mudanças tecnológicas do mundo hoje tem impactado a vida cotidiana de todos nós e as políticas públicas dos setores de educação, saúde, segurança, etc. Na área da educação, as tecnologias abrem caminhos para experiências como a educação a distância, a formação de comunidades de aprendizagem virtuais e a criação de inúmeros aplicativos, que buscam aumentar o interesse dos alunos pelas disciplinas, diversificar as aulas e reunir conhecimentos em diferentes plataformas. Contudo, a velocidade da disseminação das novas tecnologias nos leva a fazer algumas reflexões.
De um lado, não podemos considerar as tecnologias como a nova bala de prata educacional. Estudos realizados pela OECD demonstram que as tecnologias podem impactar a melhoria da qualidade de educação daqueles estudantes que já têm desenvolvidas as habilidades de leitura, escrita, cálculo ou as competências de análise, síntese, dentre outras. No entanto, para alunos com nível precário dessas habilidades e competências, o uso das tecnologias fica restrito essencialmente a redes sociais e entretenimento. Ou seja, empregar a tecnologia em sala de aula não necessariamente implica em mais aprendizado para todos os alunos.
Isso não quer dizer que devemos descartar o uso de tecnologias em sala de aula. Ignorar a tecnologia não faz sentido em um mundo no qual ela é parte do dia-a-dia de todos, desde as crianças aos jovens, adultos e idosos de todas as classes sociais. Por isso, devemos entender quais recursos tecnológicos podem ser ferramentas efetivas para apoiar e impactar resultados educacionais de forma ampla.
Na semana passada, tive a oportunidade de visitar e conhecer diversos laboratórios de pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts(MIT), o Media Lab, nos EUA. Muitas vezes, temos preconceito em relação ao pragmatismo americano, muito voltado para os aspectos práticos do mundo. Mas sem dúvida eles têm a capacidade de desenvolver e acolher pesquisas que estão na fronteira do conhecimento. Fiquei encantada com tantas possibilidades e, principalmente, com o que ouvi de diversos professores pesquisadores.
Dou um exemplo: sabemos que para melhorar a educação precisamos formar professores, adquirir bons materiais, melhorar os processos de avaliação, etc. E que isso demora de cinco a dez anos, pelo menos. Mas o que podemos fazer agora, para que essa geração de crianças pequenas não seja prejudicada por esta demora? Tal pergunta inspirou os pesquisadores a usar as tecnologias para que as crianças e jovens não percam seu futuro e possam desenvolver sua criatividade, seu vocabulário e suas chances de ter oportunidades mais iguais.
Nesse contexto, está o programa Scrach, que faz uso de uma plataforma online gratuita para desenvolver a criatividade, o trabalho colaborativo e até as habilidades de programação das crianças. Outro exemplo é o projeto Curious Learning, que busca aumentar o vocabulário e a conversação de crianças de regiões rurais e urbanas de alta vulnerabilidade social. Para isso, são usados joguinhos e aplicativos virtuais. E muitos outros projetos do MIT/ Cambridge pesquisam diversas áreas da educação e neurociência em busca de evidências que possam inspirar programas concretos para impactar as comunidades e transformar o mundo.
Educação é um processo de longo prazo, mas não podemos sacrificar as gerações atuais enquanto esperamos as mudanças definitivas acontecerem. Não se trata de optar por curto ou longo prazo. Temos de encontrar meios para traçar políticas de longo prazo, mas que tenham várias etapas com impactos no curto e médio prazos também. E neste aspecto, o uso da tecnologia para a educação pode nos oferecer boas saídas.
O problema é que, na experiência brasileira, o provisório se torna permanente e o curto prazo se estende como longo prazo. Superar e transformar esse modo de ser e fazer política é um enorme desafio. Precisamos encará-lo de frente para avançarmos no desenvolvimento de políticas que possam ser mais efetivas. Assim, caminharemos para uma educação mais justa para todas as crianças e jovens brasileiros.
Maria Alice Setubal
Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.