Como garantir o financiamento da educação em tempos de crise

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal

Dando continuidade aos artigos anteriores, nos quais discuti as desigualdades educacionais e a formação de professores, destaco agora a importância de se pensar a gestão e os recursos na educação. Obviamente, em tempos de crise, os temas econômicos e de ajuste fiscal têm ganhado as manchetes de todos os jornais. Mas afinal, como isso pode impactar a educação brasileira?

Enfrentar a profunda crise econômica na qual o Brasil está atolado não pode ser uma desculpa para prejudicar ações e programas das áreas sociais e de educação.

Nesse contexto, devemos discutir a importância de preservarmos as conquistas sociais alcançadas pela sociedade brasileira e a necessidade da priorização da educação como direito humano e um importante aliado na luta ao combate à pobreza e às desigualdades sociais. Um tema polêmico em discussão hoje é a volta da DRU (Desvinculação das Receitas da União). Aprovado pelo Senado em 2009 e implementado gradativamente até 2011, o fim da DRU elevou substancialmente o orçamento do MEC. Caso volte, a DRU vai tirar a obrigação do governo federal em utilizar 18% do seu orçamento para a educação.

Eu concordo com Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos Pela Educação, quando ela afirma que a desvinculação dos recursos vai na contramão da necessidade da educação brasileira por investimentos contínuos e crescentes, para que melhore sua qualidade. É desnecessário repetir os atuais baixos índices de qualidade de todas as modalidades de ensino, assim como a precariedade da infraestrutura de nossas escolas e a falta de qualificação adequada de nossos professores, que menciono em uma de minhas colunas.

A volta da DRU coloca em risco as conquistas obtidas primeiro com o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização Do Magistério) e desde 2006 com o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), implementados nas décadas de 1990 e 2000. Ambos os fundos, cuja contribuição é essencial para a educação brasileira, só podem ser viabilizados por meio das vinculações obrigatórias previstas na Constituição, que determinam que 18% das receitas da União e 25% das receitas dos Estados e dos Municípios sejam investidos em educação. Isso possibilitou, por exemplo, que o país avançasse rumo à universalização do acesso ao Ensino Fundamental e tornasse obrigatório o ensino para a população de 4 a 17 anos. E mesmo assim ainda temos mais de 3 milhões de crianças e jovens fora da escola.

Temos muito a evoluir. Sem dúvida, um custo mínimo anual por aluno de pouco mais de R$ 2.700, estimado para 2016, não viabilizará recursos para que a educação supere suas precariedades e supra as demandas impostas pelo século 21.  

Em um cenário de crise econômica, a solução não é reduzir os recursos para a educação. No lugar, temos de repensar a articulação de novos caminhos, que não apenas apontem necessidade de mais recursos, mas que também redirecionem a gestão dos recursos hoje existentes para que possamos alcançar melhores resultados. Por isso, é preciso ampliar as discussões sobre o Sinaeb (Sistema Nacional de Educação), que tem o objetivo de assegurar o processo nacional de avaliação da educação básica. É fundamental que este sistema traga novos indicadores que explicitem as diferentes desigualdades, promova maior transparência e aprimore a gestão dos diferentes estados no uso dos recursos para a educação.

Temos muito a evoluir. Sem dúvida, um custo mínimo anual por aluno de pouco mais de R$ 2.700, estimado para 2016, não viabilizará recursos para que a educação supere suas precariedades e supra as demandas impostas pelo século 21.  

Programas como o Fies, o Prouni e o Pronatec, tiveram também um impacto fundamental na democratização do acesso a universidade e cursos técnicos. Precisamos agora de avaliações que possam focalizar melhor os beneficiários, ajustar os programas às demandas do mercado de trabalho e medir os impactos esperados para se fazer os ajustes necessários nos programas.

Ao invés de desvincular os recursos, temos que exigir o cumprimento das metas estabelecidas, levando - se em conta as metas do PNE e as condições dos Estados e Municípios. Não se trata de diminuir os repasses, mas sim mudar a sua sistemática. Poderíamos exigir que as redes de ensino prestassem contas e se comprometessem com os encaminhamentos das metas. Desta forma, poderíamos condicionar o recebimento dos recursos.

Enfrentar a profunda crise econômica na qual o Brasil está atolado não pode ser uma desculpa para prejudicar ações e programas das áreas sociais e de educação. Não podemos aceitar a justificativa de que serão apenas dois anos de ajustes, e depois se retomará as outras áreas do governo. Este discurso é semelhante ao que já ouvimos em outros tempos e que causou profundas desigualdades no país: "esperar o bolo crescer para depois distribuir".

Sem dúvida, para garantir a melhoria de vida da maioria dos brasileiros, a retomada do crescimento econômico é imprescindível. Só assim voltaremos a ter níveis estáveis de emprego e de todos os serviços públicos. Mas a sociedade brasileira necessita de uma visão sistêmica e sustentável de desenvolvimento, e não apenas de um plano econômico.

Podemos ter em nossas mãos a oportunidade de redirecionar a economia na direção do baixo carbono, com novas e melhores opções de energia, por exemplo. Esse redirecionamento, já implementadas em vários países do mundo, pode abrir novos caminhos para a educação. Para isso, precisamos fortalecer os mecanismos que assegurem o controle social e a transparência no uso dos recursos públicos.

Trata-se de uma complexa composição política para aprimorarmos nossa democracia. Mecanismos e ferramentas virtuais têm sido usados em diferentes instâncias e podem ser de grande valia para a ampliação da participação da comunidade na gestão escolar e para o redirecionamento de recursos. Aumentar a autonomia dos municípios na gestão dos recursos, concebendo contrapartidas claras e transparentes, pode ser um bom começo de conversa.

A crítica de que é muito fácil aumentar os recursos em tempos de bonança também vale para proclamarmos que na crise é muito fácil cortar os recursos. A complexidade do mundo atual demanda que nós, educadores, busquemos uma nova visão de sociedade. Uma visão que garanta os ganhos, enfrente os desafios de melhor gestão com mais transparência e resultados e, ao mesmo tempo, continue o processo da busca da equidade pelo enfrentamento das desigualdades sociais.

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.

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