Por que as escolas não podem ficar alheias às questões contemporâneas?
Vivemos tempos turbulentos e de constantes acontecimentos importantes. Nas últimas semanas, vimos o Reino Unido votar por sua saída da União Europeia, acompanhamos a eleição na Espanha (com a crescente popularidade de novos partidos) e também seguimos a discussão acerca da liberdade de expressão nas eleições presidenciais nos Estados Unidos, que levantou debates e conflitos envolvendo imigrantes, negros e a população LGBT. Todas essas notícias nos mostram as crises econômicas, políticas e de valores pelas quais passa a sociedade contemporânea – e que estão conectadas com as crises específicas presentes no Brasil.
Ao tirarmos o foco desta visão abrangente de mundo e nos voltarmos para a educação, encontramos um paradoxo: embora a maioria dos Projetos Político Pedagógicos das escolas coloque como objetivo a formação de alunos críticos e participativos, ao longo do ano letivo isso muitas vezes é deixado de lado pelos professores e pela coordenação. Vimos recentemente a falta de espaço para participação e diálogo ser questionada pelos alunos, sobretudo nas recentes ocupações das escolas em vários estados brasileiros. E os jovens estão certos ao levantar estas reivindicações. Como já disse em meu artigo anterior, é de fundamental importância que a escola se abra para o debate das questões contemporâneas, tanto as lidas em jornais como as trazidas pelos alunos e pela comunidade.
À primeira vista, pode parecer que as questões relativas aos imigrantes e refugiados – principal motivador para a saída do Reino Unido da União Europeia e tópico presente nos debates americanos – não tenham nada a ver com o Brasil, e muito menos com as escolas. No entanto, é importante destacarmos que dados da Polícia Federal demonstram que em 10 anos o número de imigrantes aumentou 160% no país, sendo que em 2006 tivemos 45.124 registros e em 2015 esse número alcançou 117.745. Dentre os imigrantes se destacam os haitianos e bolivianos, e entre os refugiados os mais numerosos são os sírios, colombianos e africanos de diversos países. Nossas escolas, especialmente as do centro de São Paulo, já precisam lidar com essa diversidade de culturas, valores, tradições e até mesmo de idiomas.
Outro ponto que merece destaque é o tema intergeracional, apontado também no meu último artigo. Na Inglaterra, 64% dos jovens com entre 18 e 24 anos e 45% da população com entre 25 e 49 anos votaram para ficar na União Europeia, mostrando claramente que se fosse pelos mais jovens não haveria essa saída. Nas primeiras declarações diante dos resultados do plebiscito inglês, vários jovens se expressaram nas redes sociais, com frases como "o futuro deste país foi decidido por quem não vai estar aqui para viver com as consequências", "que desastre" ou "não nos foi permitido votar pelo nosso futuro".
Na Espanha, os analistas ressaltam que o partido social-democrata Podemos passa uma mensagem muito clara para os jovens ao usar música, vídeos e redes sociais como ferramentas de atuação. Finalmente, as discussões calorosas vistas dos Estados Unidos, sobretudo nas universidades, abordam o direito à liberdade de expressão e envolvem a temática das redes sociais e do acesso a informações.
Assim como nos Estados Unidos, no Brasil os jovens também se declaram descrentes dos partidos tradicionais e dos políticos, e seu engajamento se dá por causas diferenciadas que se alternam no tempo e no espaço. Diversas startups já foram criadas usando as mídias digitais, como foco no envolvimento e participação dos jovens em ações concretas e no debate por uma democracia digital e pelo direito ao livre discurso. Ao mesmo tempo, vemos surgirem debates sobre temas relativos a raça e gênero, que são motivos de agressões e homicídios cada vez em maior número. Todos esses temas afetam diretamente as nossas vidas, uma vez que as legislações e políticas públicas são muito influenciadas por todo esse processo.
A escola não pode estar alheia a esse debate, que engaja e motiva os jovens e sua visão de mundo. A educação tem como missão introduzir as crianças e jovens no espaço público, como nos diz a filósofa alemã Hannah Arendt. Ao iniciarmos os nossos alunos nas linguagens que possibilitam a participação na esfera pública, podemos contribuir para que eles criem uma ação mais livre, e que possibilite conservar o que faz sentido e renovar o que deve ser alterado, caminhando em direção ao futuro. É a possibilidade de recriar o mundo.
Não podemos negar que a diversidade de pontos de vista é uma parte central da sociedade contemporânea. Por isso, as escolas devem ensinar que o diálogo e a comunicação entre as pessoas deve levar em conta os que vieram antes e os que virão depois.
Acolher a criança e o jovem na sua singularidade e debater o mundo, apostando no potencial transformador de cada um, é um dos principais pilares da educação. Assim, toda escola tem que se abrir para a comunidade e para o mundo, de modo que os saberes escolares estejam articulados com os demais saberes e com o respeito às diferenças e ao diálogo.
Maria Alice Setubal
Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.