Como podemos incentivar a leitura no Brasil?

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal

Durante o evento da Flip, festa literária internacional que acontece anualmente em Paraty, foram divulgados e debatidos os dados da 4ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. O estudo é feito pelo Instituto Pró-Livro e tem como objetivo central medir a intensidade, forma, motivação e condições de leitura da população brasileira.

Certamente os resultados não são motivo de comemoração, mas devem ser lidos com otimismo pois a maioria dos indicadores melhorou. Por exemplo, hoje estima-se que 56% da população brasileira acima dos 5 anos de idade leram pelo menos partes de um livro nos últimos três meses. Em 2011, quando foi realizada a última edição da pesquisa, esse índice era de 50%, ou seja, a população adulta fora da escola está lendo mais que em anos anteriores. Quanto aos hábitos de leitura, a Bíblia e os livros religiosos continuam o gênero mais lido pelo brasileiro, e a maior influência na leitura vem das mães e dos professores. 

A Flip é o palco maior da homenagem à literatura e seus escritores e poetas, e das diversas manifestações artísticas que tomam conta das ruas, casarões, tendas, restaurantes e cafés de Paraty. Eventos abertos tanto para adultos como para crianças acolhem os mais diversos públicos e o clima de festa toma conta de todos que por ali passam durante os dias dessa feira literária. Além da paisagem belíssima que a cidade oferece, a sensação é de que entramos todos numa grande viagem pela imaginação, criatividade, mas também por histórias reais de sensibilidade poética que nos emocionam e surpreendem a  cada instante. Todo esse cenário, repleto de indícios de novas potências literárias e experiências gerados por ela, nos motiva a refletir sobre como expandir eventos deste tipo e hábitos de leitura para diferentes localidades.

Considerando-se o aumento dos dados de acesso à educação, podemos afirmar que alguns avanços terão impacto no acesso e na qualidade da leitura de nossas crianças e jovens. Um dos maiores diferenciais neste sentido é o aumento na escolaridade dos novos pais, segundo dados da PNAD, temos mais de 70% de mulheres com ensino médio completo (contra 25% em 2002) e 7 milhões de pessoas com ensino superior (contra 1,7 milhão em 1994). Certamente, uma nova geração de leitores será motivada por suas mães, pais, professores e também por bibliotecas instaladas em espaços das cidades, como pontos de ônibus e metrô, comunidades, clubes, centros culturais e museus.

Durante minha infância, tive o privilégio de contar com a influência da minha mãe, uma ávida leitora. Lembro-me desde muito pequena de vê-la lendo livros de Monteiro Lobato para o meu irmão, que ficou muito tempo doente com nefrite. Eu aproveitava intensamente aqueles momentos, sentada no chão e atenta às aventuras de Emília, Pedrinho e todos no Sítio do Picapau Amarelo. Desde então, não parei de ler e ter nos livros uma porta para alimentar minha imaginação. Por meio das histórias e personagens, eu entrava – e ainda entro – em uma viagem interior, refletindo ou contrapondo minhas identidades, e acessando novos conhecimentos. Para mim, o livro é sempre mágico e constitui um objeto de desejo intenso.

Se a Flip é sempre um momento de prazer, conhecer experiências de espaços e projetos de leitura é também motivo de grande alegria. Assim, gostaria de  compartilhar o depoimento de Antonia Marlucia Martins Gomes, a Malu, como é conhecida no Ponto de Leitura da comunidade do Jardim Lapenna, Zona Leste de São Paulo:

"É através da mediação e incentivo à leitura, atividades promovidas pelo Ponto de Leitura, que muitas crianças do bairro têm o primeiro contato com o livro. A maioria dos jovens leitores ao levar livros para suas casas acaba mobilizando em seus pais o gosto pela leitura." 

Malu promove também conversa com escritores, contação de histórias, círculo de leitura com escolas e tendas literárias itinerantes. "Há jovens que iniciaram o gosto pela leitura aos dez anos e hoje, aos dezessete, percebemos a evolução literária desses leitores através da forma de se expressarem, como a fala e a escrita. Até mesmo pelo gosto literário apresentam mudanças positivas, pois alguns já se encontram cursando ensino superior e falam da importância de ter um espaço totalmente dedicado à leitura na comunidade em que moram. Pois foi nesse espaço que encontraram os livros que precisavam para estudo do vestibular. Quem passa por aqui deixa seu depoimento, dizendo que ter um espaço como este amplia as possibilidades de letramento da comunidade, gera reflexão e aguça o imaginário."

São as diversas Malus e Pontos de Leitura espalhados pelas cidades que agregam e potencializam o trabalho de leitura das nossas escolas, abrindo novos caminhos e oportunidades para nossas crianças e jovens seguirem seus sonhos e projetos de vida.

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.

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