As medalhas que abrem caminhos

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal

  • William West/AFP

O Brasil termina sua Olimpíada com uma grande festa, muita alegria e emoção. O Rio de Janeiro estava lindo, conseguimos entregar grande parte do que prometemos e mostramos ao Mundo que existem vários jeitos de se fazer uma Olimpíada. No entanto, como escrevi no meu último artigo, os jogos não acabaram com nossos problemas e mazelas, como as desigualdades sociais e as crises política e econômica persistem.

Recentemente, li um artigo de Ana Paula Lisboa que expressava pontos interessantes neste sentido. Segundo o texto, "ficou claro que um dos legados olímpicos mais importantes para essa cidade foi a contradição, e como é bonito que ela tenha aparecido".

A jornalista destaca as contradições de se comemorar uma medalha de um ginasta que foi acusado de racismo, ou chorar junto com medalhistas brasileiros que batem continência por terem apoio das Forças Armadas. Esses exemplos demonstram o quão complexa é a realidade e o quanto o país precisa superar problemas históricos para se tornar uma nação democrática, justa e livre de discriminação.

Ao defender que compreender a complexidade brasileira exige ir além da dicotomia entre esquerda e direita, Ana Paula termina seu texto alertando: "Não é encontrando a própria tribo, dançando ciranda, gritando em assembleia ou girando bambolê que se muda a cidade: é falando inglês na hora certa e com a pessoa certa", referindo-se a saber dialogar com o diferente.
É preciso abrir-se para a diversidade, para o inusitado, para o espontâneo e principalmente para uma nova forma de olhar o outro e a nós mesmos. Esse parece ser o caminho da sociedade contemporânea.

Não quero desmerecer os demais campeões olímpicos brasileiros, assim como todos os medalhistas que merecem nosso aplauso. Mas os atletas que mais me marcaram nestes jogos foram Rafaela Silva, Isaquias Queiroz, Maicon de Andrade, Robson Conceição e Thiago Braz. Todos competiram em esportes nos quais o Brasil não tem tradição ou muita popularidade, vieram de comunidades e famílias pobres e ganharam 7 do total de 19 medalhas para o Brasil! Isso é um feito inédito!

Sem cair em clichês, esses cinco atletas tornaram-se referência para nossas crianças e jovens. Participaram de projetos sociais que os impulsionaram e foram além, demonstrando capacidade de superação, disciplina, persistência, esforço e visão de longo prazo – além de habilidades esportivas específicas. Eles mostraram ao Brasil e a cada um de nós que somos muito maiores que o país do futebol. Os atletas reafirmaram como o esporte é uma ferramenta importante de inclusão, e deixaram claro que jovens vindos de famílias de alta vulnerabilidade social conseguiram superar muitas adversidades e serem campeões.

Como escrevi na semana passada, esses exemplos sinalizam que a implementação da Educação Integral nas nossas escolas tem um potencial de abrir novos caminhos para o enfrentamento das desigualdades sociais. Para isso, precisamos que as escolas públicas ofereçam condições básicas de infraestrutura tais como quadras, materiais esportivos, uniformes e bons professores de educação física. Escolas abertas à comunidade podem também fazer parcerias com eventuais clubes da cidade e outros espaços de organizações da sociedade civil.

Levaremos como marca desta Olimpíada cinco medalhas inusitadas. A canoagem, o taekwondo, o judô, o salto com vara e o boxe não possuem os patrocínios e a popularidade do futebol no país, mas nos mostram toda a potência do Brasil e indicam novos caminhos possíveis para as próximas gerações.

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.

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