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China comunista (2) - Conflito entre China e URSS e o Grande Salto

Renato Cancian

A construção do socialismo chinês recebeu inicialmente um valioso apoio da URSS. A ajuda soviética veio em forma de assessoramento técnico, científico e, principalmente, financeiro. Entre 1950 e 1956, a assistência soviética contribuiu decisivamente para a recuperação e posterior desenvolvimento da economia chinesa.

Contudo, nos idos de 1956, a relação política entre chineses e soviéticos ingressou numa fase de conflito, que alterou profundamente os rumos da construção do socialismo na China. Em 1953 morre o dirigente soviético Josef Stálin e Nikita Kruchev assume o poder, em 1956. O novo governante soviético fez severas críticas ao antecessor e promoveu o que se convencionou chamar de "desestalinização".

Junto com a desestalinização, Kruchev idealizou e colocou em prática a "doutrina de coexistência pacífica", que preconizava o caminho pacífico para se alcançar a revolução comunista pelo mundo. Ou seja, a política externa soviética passou a defender estratégias de construção do socialismo sem recorrer à violência revolucionária. Essa postura contribuiu decisivamente para a deflagração de um avassalador "revisionismo" político e ideológico, que atingiu praticamente todos os movimentos e partidos comunistas.

Repressão de dissidentes

No início, Mao Tsé-Tung permitiu que o revisionismo aflorasse na China com a Campanha das Cem Flores, que pode ser entendida como a aceitação por parte do Estado da crítica contra o sistema socialista, tanto por parte de ativistas, intelectuais, quadros do PCCh e também do povo em geral. Depois de um brevíssimo período, movimentos de contestação e ondas de protesto irromperam por todo o país, levando Mao a interromper a política de tolerância e liberalização e reprimir violentamente os dissidentes e críticos.

Além de conflitar com os soviéticos na questão do revisionismo, os chineses criticaram a doutrina de coexistência pacífica, por ela ter levado a URSS a se aproximar das potências capitalistas ocidentais, em particular dos Estados Unidos, estreitando as relações diplomáticas e abandonando a política de enfrentamento.

Em 1959, duas atitudes da URSS irritaram ainda mais os dirigentes chineses. A primeira envolveu a recusa do Estado soviético em fornecer ajuda à China para desenvolver armamentos nucleares. A segunda derivou do apoio da URSS à Índia numa questão envolvendo um litígio fronteiriço com a China. Esses fatores geraram muita desconfiança dentro da China e fez com que os dirigentes chineses se afastassem da URSS.

Em 1960, a tensão entre a China e a URSS alcançou o clímax. Os soviéticos interromperam o auxílio técnico, financeiro e militar. Os chineses tiveram de contar com seus próprios recursos a fim de seguir na construção do socialismo. Foi neste contexto que a China abandonou o planejamento econômico com base nos Planos Quinquenais (1949-1954) e colocou em prática uma nova política de desenvolvimento econômico e social, que foi oficialmente chamada de o Grande Salto para Frente (1958-1960).

Grande Salto

O Grande Salto tinha como premissa a mobilização de todos os recursos humanos da China, em particular da massa camponesa, que constituía cerca de 80% da população, a fim de acelerar o desenvolvimento econômico e a igualdade entre todos num curto período de tempo. Ironicamente, porém, o Grande Salto foi um desastre completo, que levou à desorganização da economia chinesa e ao aumento da fome no campo, acarretando a morte de milhões de camponeses.

O núcleo do projeto desenvolvimentista era a auto-suficiência e a auto-sobrevivência, ou seja, cada vilarejo deveria produzir os alimentos e os bens necessários. A obsessão para atingir metas de produção, porém, levou os dirigentes chineses a dispensarem o conhecimento técnico e o planejamento antecipado, precipitando o surgimento de problemas insolúveis para o país.

As minas de carvão que se proliferaram por todo o país arruinaram os campos férteis; o cultivo irregular de determinados grãos e alimentos ocasionaram o cansaço do solo; a construção de represas sem o devido planejamento e estudo técnico arruinou os solos, tornando-os imprestáveis para o cultivo; as máquinas agrícolas careciam de peças de reposição, entre inúmeros outros problemas.

O fracasso do Grande Salto abriu caminho para uma autocrítica por parte de Mao Tsé-Tung e o surgimento de uma dissidência dentro do PCCh. Com apoio de partidários influentes, Liu Shao-chi e Deng Xiaoping assumem a condução dos assuntos internos. Mao Tsé-Tung tem seus poderes diminuídos, mas ainda assim mantém controle sobre o Exército Popular de Libertação. A tentativa de Mao Tsé-Tung de retomar seus poderes resultou na Revolução Cultural (1966-1975).