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China imperial (2) - Colapso do sistema imperial e o advento da República

Renato Cancian

Na ausência de obrigações feudais surge, na China imperial, controlada pela dinastia Manchu, a questão de se saber como a classe de proprietários fundiários conseguia obrigar os camponeses a trabalharem na terra. De acordo com estudiosos do período, o trabalho dos camponeses era baseado em contratos de arrendamento de tipo capitalista. Evidentemente, havia variações regionais, mas pode-se dizer que na maioria das zonas agrícolas o proprietário fundiário fornecia a terra e os camponeses, a mão-de-obra.

Sabe-se que, por volta de 1810, cerca de 80% das terras cultivadas na China estavam em poder da classe dos grandes senhores fundiários e o restante, 20%, pertencia aos camponeses. A colheita era dividida entre ambos e ao que tudo indica a troca em espécie prevalecia até mesmo nos pagamentos de impostos devidos ao imperador.

Superpopulação de camponeses

A existência de uma superpopulação de camponeses interessava diretamente aos senhores proprietários fundiários, pois facilitava o arrendamento das terras através de um maior grau de extração de excedente econômico. Ou seja, num contexto social de superpopulação, a competição entre os camponeses diante da necessidade de prover o próprio sustento levava-os a trabalhar nas terras por níveis cada vez mais baixos de remuneração (neste caso, a porção de alimento produzido).

As pressões da grande massa de camponeses sobre as terras cultiváveis aumentaram consideravelmente no final do século 18 e se agravaram nas décadas seguintes, transformando-se num fator importante a contribuir para minar a estrutura social.

Urbanização e industrialização

A urbanização e a industrialização ocorreram tardiamente na China. O sistema imperial, em particular a burocracia administrativa, impediu o quanto pôde a modernização do país, evitando a adoção da agricultura comercial, o surgimento de uma burguesia comercial e núcleos urbanos autônomos capazes de contrapor-se aos grandes proprietários fundiários (como ocorreu na Europa Ocidental na última fase do feudalismo).

Avanços na urbanização e industrialização começaram a ganhar fôlego no final do século 18 diante de dois processos concomitantes: a decadência da máquina administrativa imperial e as pressões externas provenientes das nações europeias ocidentais, que tinham interesses militares e comerciais na China.

O domínio tradicional da classe culta de funcionários-intelectuais declinou nas zonas costeiras, permitindo assim o surgimento de núcleos urbanos e o aparecimento de uma burguesia comercial nativa que se opôs às pretensões de centralização do poder político sob o sistema imperial.

Novas forças sociais

O sistema imperial tentou em vão controlar as novas forças sociais e econômicas que se desenvolviam rapidamente e ameaçavam a manutenção da unidade política e territorial da China. Mesmo assim, foi somente em 1910 que se verificou um nítido impulso no sentido das classes comerciais burguesas se libertarem da influência da burocracia imperial.

De qualquer modo, as áreas territoriais mais avançadas urbana e industrialmente permaneceram sob controle estrangeiro até a segunda metade do século 20. E até a data mencionada, a sociedade chinesa permaneceu predominantemente agrária, com uma classe média numericamente insignificante e politicamente dependente.

Colapso do sistema imperial

O sistema imperial chinês foi minado por forças internas que tinham interesses conflitantes. Essa situação levou o país a um período de anarquia, que resultou na mudança do regime político: a proclamação da República.

Quais as contradições sociais responsáveis pelo colapso do sistema imperial? Pode-se afirmar que, até o final do século 19, as classes dominantes chinesas (ou seja, os proprietários fundiários) continuaram a ser a base de sustentação de todo o sistema imperial. Fatores externos, sobretudo ligados às pressões militares de nações europeias, levaram, no entanto, a classe dominante chinesa a se dissociar.

O principal fator de desintegração do sistema imperial emergiu diante das necessidades crescentes dos últimos governantes da dinastia Manchu de concentrar recursos materiais e financeiros para fazer frente às rebeliões internas e aos inimigos externos. As necessidades materiais e financeiras só puderam ser atendidas a partir da destruição do amplo sistema de privilégios que unia a burocracia administrativa e a classe fundiária.