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China republicana (1) - Chiang Kai-shek e o domínio do Kuomintang

Renato Cancian

No final do século 19 o sistema imperial chinês começou a ruir diante das tensões políticas provocadas por rebeliões sociais internas, ameaças de invasão estrangeira e divisão da classe dominante.

O enfrentamento dos problemas que ameaçavam o sistema imperial necessitava de vultosos recursos econômicos. A dinastia Manchu ficou diante de dois dilemas. Primeiro, precisava criar um sistema eficiente de impostos. Para isso teria que acabar com os privilégios da pequena nobreza que representava a classe de proprietários fundiários vinculados à burocracia, que drenava boa parte dos recursos extraídos dos súditos em forma de impostos.

Segundo, precisava encorajar o comércio e a indústria, estimulando a geração de novos recursos financeiros em forma de tributos e o surgimento de uma nova classe social (a burguesia industrial) para contrabalançar o poder da pequena nobreza "parasitária".

Esses dois problemas se mostraram dificílimos de ser resolvidos pelos governantes imperiais, pois a pequena nobreza representava a classe social que sustentava todo o sistema imperial. Além disso, a alfândega e o comércio das cidades portuárias mais prósperas estavam sob controle estrangeiro. Ainda assim, houve várias tentativas de aplicar reformas políticas e econômicas. A primeira delas ficou conhecida como a Restauração Tung-chih (1862-1874). Mas essa tentativa e várias outras fracassaram.

Caos social e conflitos internos

A partir de 1860, a China mergulhou num período de caos social, conflitos políticos internos e ameaças de invasão militar estrangeira. Todas as tentativas de salvar o sistema imperial não tiveram êxito. O poder dos imperadores foi enfraquecendo. A pequena nobreza fundiária reagiu à crise do império dissociando-se pouco a pouco dos imperadores. Como alternativa, construiu suas próprias bases de poder político e econômico de âmbito regional, estimulando ainda mais a tendência centrífuga de fragmentação do poder central.

A cobrança e transferência dos impostos e tributos sobre a terra e sobre a circulação de mercadorias, bem como a influência sobre os camponeses escaparam quase que por completo do controle do poder central. A exploração das massas camponesas pelos senhores rurais aumentou consideravelmente.

Os camponeses perderam os direitos tradicionais, que lhes garantiam proteção com base no código de exploração legítima, mas "limitada" (ou seja, dentro dos padrões de dignidade prevalecentes nos códigos morais da época). O crescente descontentamento dos camponeses desencadeou inúmeras revoltas no campo, todas eficazmente exploradas pelos revolucionários comunistas, que ganharam influência contribuindo diretamente para elevar a tensão social e provocar mais divisão das forças políticas nacionais.

Os senhores rurais e os pequenos comerciantes reagiram à crise do sistema imperial coligando-se entre si a partir de seus interesses regionais. Para garantir o poder em determinada região, as elites rurais formaram exércitos locais. No contexto de militarização crescente das elites rurais regionais, o poder central desapareceu e junto com ele a capacidade de manter a ordem social.

A proclamação da República, em 1911, representou tão somente a formalização de uma situação político-institucional que já existia de fato: ou seja, o declínio do poder imperial. Porém, nas duas décadas seguintes, as classes dominantes chinesas foram incapazes de se aliar para formar um governo de unidade nacional. Nesse contexto, a sociedade chinesa ficou profundamente dividida e entrou numa fase de desagregação ainda mais intensa, que perdurou até a Revolução Comunista de 1949.

Domínio do Kuomintang

O Kuomintang foi o movimento republicano conduzido pelo Partido Nacionalista da China. O partido foi liderado pelo militar Chiang Kai-shek, que tentou a todo custo unificar a China, com a formação de um governo nacional. Para concretizar essa tarefa, os republicanos que integravam o Kuomintang combateram incansavelmente os comunistas e os "senhores da guerra" (que foi a denominação dada aos proprietários rurais que haviam formado exércitos regionais para manter o controle político e econômico nos seus respectivos domínios territoriais).

Contando com um exército poderoso, Chiang Kai-shek conseguiu estabelecer, em 1927, controle sobre a maior parte do território da China e estabelecer um poder central que ficou sob a liderança do Kuomintang. Não obstante, na China daquele período, qualquer programa político de unificação nacional que pretendesse ser estável e duradouro dependia de um amplo consenso entre as classes sociais, que estavam em conflito latente diante de seus interesses profundamente divergentes.

Com o apoio das velhas classes de proprietários rurais e de parcelas importantes das novas classes industriais e comerciais emergentes, Chiang Kai-shek liderou uma série de golpes militares e constituiu um governo ditatorial. A aliança das classes dominantes chinesas, no âmbito do Kuomintang, deu origem a um programa político de modernização social extremamente conservador e reacionário.

O governo central passou a reprimir com extrema violência os trabalhadores urbanos e, principalmente, os comunistas que lideravam as revoltas e a sublevação de camponeses. Em 1934, as forças militares do governo central desfecharam um forte golpe no movimento comunista, forçando-o a abandonar as suas posições no sul do país.