Expansão do ensino superior priorizou acesso sem garantia de qualidade
O Reuni (Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), criado em 2007, promoveu a expansão do acesso ao ensino superior sem garantir a qualidade e a permanência dos alunos. Essa é a visão de professores ouvidos pelo UOL. Para o secretário da educação superior do MEC, Paulo Speller, os problemas são pontuais e não mudam a avaliação positiva da expansão.
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Entre 2007 e 2011, as federais aumentaram em 63,7% o número de vagas oferecidas. As vagas passaram de 159.448 a 261.090 postos, segundo o Censo da Educação Superior.
No mesmo período, o crescimento no número de professores foi de 25,2%, chegando a 70.710 docentes, segundo estudo feito pela Andifes (associação de reitores das federais), MEC e UNE (União Nacional dos Estudantes): "Análise sobre a Expansão das Universidades Federais 2003 a 2012" (veja em .pdf).
“A lógica dessa política é: primeiro aumenta-se o número de vagas, depois se buscam 'soluções criativas', enquanto se aguarda a conclusão das intermináveis obras (muitas com denúncias de superfaturamento), assim como, a burocrática e racionada nomeação de servidores, técnicos e docentes”, afirma Denise Bessa Leda, professora da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), que desenvolve desde 2009 uma pesquisa conjunta sobre o trabalho docente na expansão da educação superior.
“O que se tem visto no Brasil afora, através das denúncias feitas, pelos estudos críticos de diversos pesquisadores e pelos alunos, são: turmas funcionando em locais improvisados; disciplinas sem professores; experiências curriculares “inovadoras” sem o necessário preparo da instituição e dos docentes para lidar com essas inovações; diversos campi funcionando sem as indispensáveis estruturas de apoio acadêmico como, por exemplo: bibliotecas, laboratórios, restaurantes universitários e residências estudantis”, continua.
Para o secretário da educação superior do MEC, Paulo Speller, os problemas são pontuais e não mudam a avaliação positiva da expansão.
"Houve e há situações pontuais, em um programa da envergadura e da amplitude do Reuni, de obras que tenham sido abandonadas por uma empresa, que por morosidade da empresa, que por questões técnicas tenham atrasado. Mas isso felizmente aconteceu em um número muito pequeno [de universidades] e não chegou a colocar em xeque o programa como um todo. Os números no que diz respeito a vagas, a cursos e a matrículas são muito expressivos", avalia.
Segundo o MEC, 75% das 3.812 obras licitadas no processo de expansão das universidades federais já estão concluídas. Há ainda 742 (19,5%) obras em execução e 189 (4,95%) paralisadas. Além destas, 309 estão em licitação.
Interiorização
No processo de interiorização do Reuni, a implementação do programa teve mais problemas em novos campi, sobretudo no interior do país. Em muitos deles eram necessárias a construção de prédios e laboratórios, além da contratação de professores e de técnicos.
Alguns desses problemas foram vistos pela reportagem do UOL. Em Santarém, mais de mil alunos da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará), uma das universidades novas, têm aulas dentro de salas alugadas em um hotel.
Em março, os estudantes da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) ocuparam a reitoria para pedir providências. Com laboratórios alagados e sem material, cursos como o de química estavam sendo ministrados sem aulas práticas.
As dificuldades não se limitam a questões infraestruturais. Fora dos centros e sem estrutura pronta, as universidades encontram mais dificuldade para atrair e reter professores.
"Boa parte das cidades tem pouca infraestrutura para suprir necessidades dos professores e de suas famílias, que quase sempre ficam nas capitais, exigindo do docente frequentes deslocamentos da cidade onde está instalado. Algumas vezes esse professor permanece no interior apenas até surgir uma possibilidade de remoção para a capital ou ser aprovado em outro concurso", explica Denise.
Sem professores suficientes, a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) chegou a fechar o ingresso para o curso de medicina em Macaé no primeiro semestre deste ano --reaberto agora para o segundo semestre.
Na Unipampa (Universidade Federal do Pampa), alunos do campus Uruguaiana tinham 36 disciplinas sem professores em fevereiro.
Carreira docente
Para o Andes-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), o Reuni aprofundou um processo de precarização do trabalho do professor. "O professor passou a ministrar mais tempo de aula e deixou de dar atenção à pesquisa e à extensão", avalia Marinalva Silva Oliveira, presidente do Andes-SN.
Sua posição é corroborada pela pesquisadora Kátia Lima. "Estamos com salas de aula cheias; sem professores em número suficiente, sobrecarregados com atividades administrativas, na graduação, na pesquisa e na pós-graduação, quando conseguimos realizar pesquisa e nos credenciarmos em programas de pós-graduação. Este é o quadro atual nas universidades federais, especialmente nos pólos do interior", pontua a coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior da UFF (Universidade Federal Fluminense).
Segundo o secretário Paulo Speller, as vagas já estão autorizadas para a contratação, que é feita por cada instituição. "O problema que nós estamos identificando é que há uma certa morosidade na realização dos concursos. As vagas já estão disponibilizadas tanto para técnicos como para docentes. Temos hoje cerca de 10 mil vagas no estoque", explica.
De acordo com ele, o processo de contratação que é realizado pelas universidades deveria levar de quatro a seis meses, mas a demora na instituição é maior do que o esperado.
Só em 2012, foram autorizadas a contratação de 7.853 professores. Em 2013, mais 3.893 vagas foram publicadas pelo MEC. No entanto, as instituições tiveram algumas dificuldades para abrir novos concursos no período.
Após uma greve de quase quatro meses que parou a administração das instituições, o MEC mudou em dezembro as regras para a carreira docente, o que exigia uma readequação dos editais. A lei, no entanto, tinha um erro que permitia a contratação de professores apenas com graduação, o que atravancou, mais uma vez, os editais. O problema só foi consertado por medida provisória em maio de 2013.
O secretário, no entanto, considera os problemas como eventos únicos e não um problema do programa. "Os recursos existem e, bem geridos os recursos, a estrutura tanto de pessoal como física responde com qualidade ao número de estudantes que as universidades estão recebendo."
Para atender às instituições com deficiência, o secretário afirma que o MEC está acompanhando e "busca responder com todo apoio necessário quando há problemas eventuais".
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