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Peça de teatro mostra tensões e problemas de uma escola pública

Cena da peça "Conselho de Classe" - Divulgação/Dalton Valério
Cena da peça "Conselho de Classe" Imagem: Divulgação/Dalton Valério

Bruna Souza Cruz

Do UOL, em São Paulo

08/02/2014 10h00

 “O que a gente está fazendo aqui?!" -- é a pergunta que explode da boca de um professor enquanto corrige impacientemente as provas de seus alunos. Ele aproveita os minutos antes de uma reunião para dar conta da tarefa. "Sem nenhuma alma viva nessa escola. Sem água, com esse ventilador que ele e nada é a mesma coisa! Tá todo mundo na praia e a gente aqui num calor de 50 graus nessa cidade.”

Aos poucos, outros colegas tomam seu lugar na reunião de conselho de classe. O ambiente escolar está tomado por armários e paredes pichadas, cadeiras quebradas. Nos banheiros não há papel higiênico e nas torneiras falta água.

É assim que o público começa a tomar pé da realidade escolar na peça de teatro "Conselho de Classe". A destruição e a tensão do ambiente estão presentes durante todo o espetáculo. Se o objetivo foi criar um desconforto, conseguiram.

Toda a história se passa em uma reunião do conselho de uma escola estadual, que foi marcada para discutir os próximos passos da instituição diante do afastamento da diretora. Depois de um aluno ser proibido por ela de usar seu boné, vários estudantes decidiram protestar por acharem a decisão arbitrária. A “Revolta do Boné” – como ficou conhecida – resultou em depredação, suspensão das aulas e na saída temporária da diretora.

A montagem, criada em comemoração aos 25 anos da Cia. dos Atores, apresenta uma reflexão sobre dilemas pessoais e profissionais de professores que atuam há muitos anos numa escola pública do Rio de Janeiro. 

Homens com nomes de mulher

Ao longo das cenas, os espectadores  são apresentados a uma inversão: os homens, vestidos com roupas masculinas são chamados por nomes femininos. Segundo o ator César Augusto, que interpreta uma das professoras, essa opção foi uma ferramenta para a quebra do paradigma dos dois gêneros. “É aquela coisa, né?! É muito mais comum vermos professoras mulheres discutindo os problemas da escola ou reclamando das dificuldades de dar aula, por exemplo. A escolha foi feita para chamar mesmo a atenção do público”, explica.

Segundo o ator César Augusto, a peça como um todo representa um fragmento cotidiano dos obstáculos que professores da rede pública tentam superar, neste caso apresentados dentro da reunião do conselho de classe. Entre um argumento e outro, dificuldades como lidar com alunos que não têm consideração pelo patrimônio nem pelos docentes, baixa remuneração e falta de verba e apoio para projetos vão sendo misturadas ao debate principal. “O sistema de ensino é do tempo do ronca. A escola já não cumpre mais sua função faz muito tempo”, diz a professora Célia Patrícia, interpretada por ele.

Escolha ousada

Para a professora de física Letícia Breda Paixão, 26, a escolha de tratar a questão dos professores da rede pública e seus problemas foi ousada, porém, importante. "Simplesmente adorei a peça. Mostra o que acontece e as dificuldades que existem de verdade. E não só na escola pública, algumas coisas também são complicadas nas particulares", disse a jovem que assistiu ao "Conselho de Classe" como parte da semana de planejamento pedagógico da escola em que atua.

Letícia, que conheceu o funcionamento de uma escola pública durante os estágios feitos na época da graduação, dará aulas na rede estadual neste ano. Recém-aprovada no concurso público do Estado de São Paulo, a professora aguarda o começo das aulas. "Pelo que todos dizem sei que não será muito fácil, mas estou indo disposta a conhecer uma nova realidade e buscar formas diferentes de lecionar física tornando ela interessante e próxima da realidade dos estudantes."

Ajuda de especialista

Para a construção da peça, os profissionais contaram com a ajuda da consultora em educação Clea Ferreira, que, segundo César Augusto, auxiliou na compreensão do universo da educação no Brasil e na criação dos arquétipos de professores que a peça poderia ter.

“Além da ajuda da consultora, nossa preparação contou muito com as nossas memórias. Procuramos entender a relação que os professores têm com a escola e com os alunos, com o cotidiano deles”, acrescenta César.

A série de mobilizações ocorridas pelo Brasil no meio do ano passado e a greve de professores no Rio de Janeiro também contribuíram para a montagem do espetáculo. O autor relembra que as manifestações aconteceram na mesma época em que ensaios estavam acontecendo. "Muitas das reivindicações ajudaram no processo de montagem do espetáculo e preparação dos atores. Tudo foi sendo construído de forma a fazer o público refletir”, conclui.

Serviço

A peça fica em cartaz até o dia 16 de fevereiro, no Sesc Belenzinho, de quinta a sábado, às 21h30, e domingo e feriados, às 18h30. O valor dos ingressos varia de R$ 5 a R$ 25 reais.

A montagem tem participação dos atores Cesar Augusto, Leonardo Netto, Marcelo Olinto, Paulo Verlings, Thierry Trémouroux e Sérgio Maciel.