Obrigado a deixar Angola, refugiado presta Enem de olho em ser engenheiro
Dois anos depois de se ver obrigado a deixar Angola e acabar se mudando para uma das favelas mais violentas do Rio, Daniel, 22, sonha com alternativas. Com o resultado do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), espera finalmente fazer aquilo quer: “Estudar engenharia mecânica. Falam que administração ou direito é mais fácil. Mas a pessoa tem que escolher o que gosta”, diz.
Ele fez provas neste domingo (12) em uma universidade instalada num shopping da zona norte do Rio e se diz mais confiante do que na última semana. “Matemática é igual em todas as partes. Já geografia e história foram muito específicas daqui. Em Angola, a gente estuda um pouco mais o mundo como um todo”, diz.
Cerca de 6,7 milhões de candidatos fizeram as provas hoje.
- Ao final da prova, o UOL receberá professores do Curso Objetivo que farão a correção ao vivo de algumas das questões mais difíceis da prova. Acompanhe também no UOL a divulgação do gabarito extraoficial e a correção online comentada das 90 perguntas do primeiro dia do exame. Atenção aos horários
No Brasil com visto de refugiado, Daniel é enfático ao dizer que não está aqui porque quer. “Não foi opção. Era a única saída”, diz.
De poucas palavras e com o olhar treinado a desviar o contato, Daniel tem medo de falar o sobrenome e aparecer em fotos. Ele nasceu em Cabinda, território de aspirações independentistas, geograficamente separado do restante do país e palco de diversas violações de direitos humanos, apontadas pela comunidade internacional.
“O governo diz que minha igreja apoiava o partido político inimigo”, resume, ao explicar que precisava se esconder, caso não quisesse lutar. “Lá, eles não entendem que você pode ter uma religião, sem estar ligado a nenhum partido”, explica.
Sua história coincide com os relatos da Human Rights Watch, organização internacional que denuncia que, apesar do fim da Guerra Civil angolana em 2002, o país ainda persegue grupos religiosos e partidos políticos, principalmente em Cabinda. Assim como Daniel, pelo menos outros 8 mil angolanos vivem como refugiados no Rio de Janeiro, segundo a organização católica Caritas.
Muitos deles --é o caso de Daniel-- saem de Angola com passagem paga pelos colegas de igreja. “Comecei a frequentar uns cultos perto de casa no Rio, mas não tenho tempo. Preciso trabalhar”, diz.
Nova página
Com o salário mínimo que recebe como copeiro em um clube na zona sul carioca, Daniel paga aluguel em uma das favelas mais violentas da cidade --Barros Filho, território dominado por milicianos, a uma hora e meia de ônibus do seu trabalho.
“Quando cheguei, pensei: Meu Deus, aqui eles também estão em guerra!”, diz, referindo-se aos homens com fuzis que integram a paisagem de seu bairro.
Para escapar novamente de uma realidade violenta, Daniel se inscreveu em março em um cursinho e teve que brigar no trabalho para conciliar os estudos. “O gerente não queria deixar eu chegar meia hora mais tarde. Fui falar com a dona, e ela deixou eu repor essas horas no fim de semana”, diz.
Além da falta de tempo e de dinheiro, ele lamenta as dificuldades de integração com os brasileiros. “Os angolanos não sabem que o Brasil é racista, mas os estrangeiros brancos não têm tanto problema aqui. Na fila para validar o diploma, a atendente não me viu e foi passando um rapaz branco na minha frente. Com o tempo, você desiste de ter amigos brasileiros, você muda sua atitude também”, diz.
Com os deslocamentos extras para o cursinho, seus gastos com transporte aumentaram e Daniel resolveu investir numa segunda fonte de renda: uma barraquinha que monta nas horas livres em sua favela, oferecendo consertos simples para celulares.
“Aprendi sozinho. Sempre gostei de mexer com máquinas e aparelhos. Quando era criança, até me machuquei com um martelo do meu pai. Acho que vou ser um bom engenheiro”, diz.
Gabaritos e resultados
O gabarito oficial desta edição do Enem será divulgado pelo Inep até o dia 16 de novembro.
A previsão é de que o resultado oficial, com as notas individuais de cada candidato, seja divulgado em 19 de janeiro de 2018.
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