Enem: para senadora, MEC age de forma equivocada e tenta driblar Congresso
Autora de um projeto de lei que prevê o adiamento de provas como o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) para depois do fim do ano letivo de 2020, devido aos impactos da pandemia do coronavírus, a senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) acredita que a decisão do MEC (Ministério da Educação) de adiar o exame por um período de 30 a 60 dias é "equivocada" e resultado de uma tentativa de driblar a movimentação que acontece no Congresso Nacional.
Aprovado ontem no Senado por 75 votos a 1, o texto de autoria de Ribeiro foi encaminhado à Câmara dos Deputados. Mas, em princípio, não deve mais ser votado diante da afirmação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que o Enem realmente vai ser adiado, exigência do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para que a Casa não começasse a votação do assunto ainda nesta quarta.
Ainda assim, Maia ressaltou que o adiamento do Enem pode ser votado a qualquer momento se Bolsonaro não confirmar o que prometeu por meio de publicação de portaria, decreto ou outro instrumento legal nos próximos dias.
"A minha avaliação é de que foi apenas uma tentativa para que a Câmara suspenda a votação. Está se colocando uma data, de 30 a 60 dias, quando a gente tem uma pandemia que não tem data para acabar. O projeto que nós votamos ontem teve o cuidado de falar em adiar depois do fim do ano letivo", afirma a senadora.
Para ela, se a Câmara não votar o projeto e o adiamento ficar de fato estabelecido para o período de 30 a 60 dias, o MEC "vai incorrer mais uma vez no aprofundamento da injustiça social que existe hoje".
Prejuízo a estudantes de escola pública
Ribeiro afirma que a suspensão das aulas presenciais prejudica em especial o preparo dos estudantes de escola pública para o Enem, já que muitos não têm acesso à internet em casa e nem sequer têm condições mínimas de continuar a rotina de estudos fora da escola.
"Considero essa tentativa equivocada, porque ela não veio com a intenção de resolver a questão [das diferentes condições de acesso] e nem com a sensibilidade do que é a realidade", diz.
Para a senadora, o ideal é que o Enem aconteça após o fim do ano letivo de 2020, porque "nesse prazo se garante a oportunidade de todos conseguirem estudar nas mínimas condições plausíveis".
Alunos querem mais apoio para estudo a distância
Ex-aluna de escola pública, Izabel Araújo, 18, diz acreditar que a decisão pelo adiamento de até 60 dias é "importante", mas destaca que, sozinha, a medida não deve ajudar os alunos mais pobres.
"Não sei se vai ser tão eficiente, se não houver outras medidas quanto a isso. Porque não adianta adiar o Enem e continuar deixando os estudantes que não têm acesso às aulas ou outras dificuldades sem nenhuma saída", afirma a vestibulanda de Medicina, que mora em São Paulo.
É o que diz a ex-aluna de escola pública Joyce Lopes, 18, que quer tentar uma vaga em Geografia. Para ela, a decisão do MEC é um "começo".
"Só essa medida não vai ser suficiente, porque vai ser só mais um prazo para a gente se programar. Mas como os alunos vão fazer para estudar? Tem muita gente sem internet, sem livro em casa. Qual vai ser a medida que o governo vai adotar para resolver isso?", questiona ela, que também vive em São Paulo.
Vitória do movimento dos estudantes
Para Iago Montalvão, presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), a decisão do MEC representa uma vitória do movimento dos estudantes, já que o ministério sempre insistiu na manutenção das provas em novembro. "Mas seguimos atentos, porque achamos que a questão não está solucionada", diz.
"Na nossa opinião, o MEC está colocando uma data fictícia. São 30 a 60 dias com base em quê?", questiona.
Segundo ele, a UNE defende que o adiamento do Enem esteja vinculado ao calendário escolar — ainda não há uma definição sobre a volta das aulas presenciais e nem sobre o fim do ano letivo. "Um mês é insuficiente", pontua.
Montalvão afirma ainda que não é possível ter uma perspectiva de realização do Enem dentro de 30 a 60 dias, pelo cenário de instabilidade da pandemia.
Joyce e Izabel também demonstram essa preocupação. "A gente também se preocupa com a questão sanitária. Eles não passaram para a gente como seria, e não sabemos quando essa pandemia vai acabar", diz Joyce.
"A gente, como estudante, pensa: e se por fazer uma prova, por estarmos correndo atrás de um sonho, isso leva a uma segunda crise do coronavírus?", avalia Izabel.
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