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Professora viajou 3.000 km para 'aprender a ensinar' sobre povos indígenas

Professora Gabrielle Cavalin (de azul) em aldeia indígena do povo Shanenawa, no Acre - Arquivo pessoal
Professora Gabrielle Cavalin (de azul) em aldeia indígena do povo Shanenawa, no Acre Imagem: Arquivo pessoal

Do UOL, em São Paulo

13/11/2022 18h36

Os alunos de Gabrielle Cavalin, professora do curso Poliedro, em Campinas (SP), tiraram a sorte grande com o tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2022. O assunto "Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil", escolhido para a prova deste ano, foi estudado de perto por ela.

Em julho, sentindo a necessidade de entender o tema em profundidade, Cavalin saiu do interior paulista e viajou 3 mil quilômetros até a terra indígena Katukina/Kaxinawá, no Acre. Durante uma semana, a professora viveu em uma das oito aldeias do povo Shanenawa, que tem atualmente cerca de 2 mil habitantes.

Cavalin contou ao UOL Notícias que a temática dos povos tradicionais passou a estar mais presente em sala de aula, nos últimos meses, devido a questões como as invasões de garimpeiros à terra indígena Yanomami, em Roraima, e dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, no Amazonas.

Inicialmente, a professora adotou nas aulas a obra do escritor e líder indígena Ailton Krenak, que discute o choque entre o modo de vida contemporâneo e a preservação do planeta. O engajamento dos alunos no assunto, contudo, não se mostrou uma tarefa fácil.

"Quando eu estava lendo o livro com eles, e discutindo as questões indígenas, eu percebia que não conseguia tocar os alunos. Era um tema muito distante da realidade deles, e eles não conseguiam de fato entender porque é necessário preservar os povos tradicionais para proteger o meio ambiente e conservar, na verdade, o mundo em que a gente vive", conta Cavalin.

Convencida de que era preciso ampliar a própria vivência sobre o tema, a professora procurou uma agência de turismo sustentável, de base comunitária, e se juntou a uma expedição que passaria uma semana morando na aldeia, localizada no município de Feijó (AC).

Se eu não tivesse uma vivência, se eu não me aproximasse da questão, entendesse as dores, entendesse de fato como os povos indígenas vivem, e como os problemas da preservação ambiental tocam eles, eu não ia conseguir mobilizar meus alunos
Gabrielle Cavalin, professora de redação do Poliedro Curso

Realidade distante. Cavalin observa que a população nos grandes centros urbanos costuma, de maneira geral, ignorar a diversidade interna da população indígena do país, que se divide em mais de 300 povos, falantes de dezenas de línguas. Segundo ela, a consciência sobre esse universo parece ser mais difundida no Acre, que tem mais de 30 terras indígenas, do que em São Paulo.

"Assim que eu cheguei em Rio Branco [capital acreana], os próprios taxistas e motoristas de Uber perguntavam qual povo eu estava indo visitar. Aqui no estado de São Paulo a gente apaga as individualidades destes povos, sem entender que eles têm culturas diferentes, línguas diferentes, costumes diferentes", diz.

O turismo nas aldeias do povo Shanenawa tem sido motivado, segundo ela, pela necessidade de levantar fundos para aprimorar a pesca, prejudicada por mudanças no rio que corre na região.

"Pude ver ali, na prática, como a não-preservação ambiental afeta a vida deles, porque o fato de eles não terem rio faz com que eles não tenham abundância de proteínas à disposição. Aí eles dependem muito da venda de artesanato para ter peixe", diz.

Para Cavalin, a visita à aldeia foi fundamental para levar um novo olhar sobre a temática indígena aos alunos em Campinas, que chegaram a fazer um simulado específico sobre o tema.

"Pude chamar atenção para os alunos para o que nós, ocidentais, brancos, estamos fazendo com a natureza, e que afeta esses povos tradicionais que vivem dela", relembra.