Recolhido em 3 estados, 'O Avesso da Pele' tem aumento de 1400% nas vendas
O livro 'O Avesso da Pele', do escritor e colunista do UOL Jeferson Tenório, registrou aumento de 1400% nas vendas na Amazon na última semana, de acordo com a loja virtual. Nos últimos dias, a obra entrou na mira de bolsonaristas e foi recolhida de escolas estaduais pelas secretarias da Educação de Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná.
O que aconteceu
Livro já havia registrado aumento de 400% nas vendas entre os últimos dias 1º e 5. A variação abrange as versões física e em e-book da obra.
'O Avesso da Pele' é a obra de ficção mais vendida pela Amazon no país desde a última sexta, quando começou a polêmica. De acordo com informações disponibilizadas no site da loja online, "O Avesso da Pele" é o 2º livro mais vendido do país hoje — atrás apenas de "Café com Deus Pai", de Júnior Rostirola.
85% dos leitores deram cinco estrelas ao livro na avaliação da Amazon. Outros 11% deram quatro estrelas, a 2ª melhor avaliação possível. As interações registradas por mais de 13 mil leitores levaram a obra a alcançar nota média de 4,8 estrelas até o início da tarde.
O racismo e a violência são temas centrais da narrativa. O livro retrata a história de um jovem negro que teve o pai, um professor de literatura também negro, morto pela polícia em Porto Alegre.
A obra venceu o Prêmio Jabuti em 2021. A honraria é a principal premiação literária do país.
A inclusão de "O Avesso da Pele" no PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) se deu durante governo Bolsonaro. Atualmente perseguido por apoiadores do ex-presidente, o livro foi incluído no programa por meio de uma portaria de setembro de 2022, após passar por uma seleção do edital de 2019.
Entenda a polêmica
As críticas ao livro começaram após queixa nas redes sociais de diretora de escola do Rio Grande do Sul. "Lamentável o governo federal, através do MEC [Ministério da Educação], adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível", escreveu Janaina Venzon em seu perfil.
Com a publicação da diretora, políticos bolsonaristas e perfis apoiadores do ex-presidente também criticaram a oferta do livro nas escolas. A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) disse que a obra tem "trechos com descrições explícitas de atos sexuais".
A 6ª Coordenadoria Regional de Educação do Rio Grande do Sul chegou a orientar a retirada do livro das bibliotecas das escolas. Ao UOL, a Secretaria da Educação do estado afirmou que não determinou a medida.
Em Mato Grosso do Sul, a Secretaria da Educação determinou o recolhimento da obra na última quarta (6). De acordo com o órgão, "a medida se dá em função da linguagem utilizada em trechos do referido material, contendo expressões consideradas impróprias" para menores de 18 anos.
Por determinação do governador Eduardo Riedel, e após avaliação da SED da obra "O Avesso da Pele", distribuída pelo Ministério da Educação, haverá recolhimento imediato dos exemplares, enviados para 75 das 349 unidades escolares da rede estadual de ensino de MS. (...) Após o recolhimento, os livros serão encaminhados para o acervo da Secretaria de Estado da Educação.
Secretaria da Educação do Mato Grosso do Sul, em nota
Em Goiás, a Secretaria da Educação determinou ontem recolhimento do livro para "leitura e análise com vistas a definir se o livro poderá ou não ser distribuído" ao ensino médio. Segundo o órgão, a medida visa "assegurar" que a obra possa "efetivamente contribuir com o desenvolvimento" dos alunos.
No Paraná, o recolhimento do livro foi determinado na última segunda (4). Um ofício previa que a medida fosse implementada até hoje. No documento, o servidor Anderfábio Santos informa prevê "análise pedagógica e posterior encaminhamentos", sem identificar quem fará análise, encaminhamentos nem definir prazos.
A Secretaria da Educação do Paraná considerou que livro tem trechos "inadequados" para menores de 18 anos. Em nota enviada ao UOL, o órgão citou "expressões, jargões e descrição de cenas de sexo explícito" como razões para o recolhimento do livro das escolas do estado.
Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná são governados por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). São eles: Ronaldo Caiado (União Brasil), Eduardo Riedel (PSDB) e Ratinho Júnior (PSD), respectivamente.
Autor classificou medida como 'atitude inconstitucional'
A obra não é livro sobre sexo, mas reflexão sobre letramento racial de negros, afirma autor. Em texto publicado pelo UOL na última quarta (6), Tenório disse que o ataque ao livro por conta das poucas cenas de sexo tira de foco a discussão sobre a morte de pessoas negras pela violência policial.
Para o escritor, trata-se de um ato violento e que remonta os piores momentos do regime militar.
É importante lembrar que nenhuma autoridade, seja ela diretora, secretário, vereador, deputado, governador ou presidente tem o poder de mandar recolher materiais pedagógicos de uma escola. É um ato que fere um dos pilares da democracia, que é o direito à cultura e à educação. Não se pode decidir o que os alunos devem ou não ler com uma canetada.
Representação junto ao MPF
A federação PSOL-Rede na Câmara dos Deputados entrou com representação ao Ministério Público Federal pedindo investigação contra o governo do Paraná. Para os deputados, a medida tomada no estado viola uma lei federal.
A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) diz que ofício é "medida antidemocrática". Para a parlamentar, que é líder da federação, a ação segue uma estratégia de extrema-direita mundial e seria parte de um projeto que pretende excluir da educação básica as contribuições da população negra para o enfrentamento do racismo.
Mais de 250 escritores, artistas e intelectuais se uniram e classificaram as medidas estaduais como censura. "Ferem de morte a democracia, o direito de um autor se expressar, tiram a oportunidade de alunos entrarem em contato com textos escritos que foram observados e selecionados por comissões especializadas e preparadas para levar qualidade ao ensino", diz nota do grupo.
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