'Queria ser dentista e terminei com dívida de R$ 260 mil e desempregada'

A paranaense Karen Kuklik, de 26 anos, sonhava em estudar biomedicina e odontologia na faculdade. Ela conseguiu se formar pelo Fies, mas acabou endividada e desempregada. O governo federal destaca as renegociações que tem feito.

Escolhi a melhor faculdade porque era meu sonho ser dentista, mas tem dias que me arrependo, pois tenho uma dívida de R$ 260 mil.

'Mal sabia que existia cursinho'

A paranaense foi incentivada pelo namorado a fazer a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), principal porta de entrada para o ensino superior no Brasil.

Eu não tinha condições de fazer cursinho, e mal sabia que existia cursinho. Estava desempregada para pagar a faculdade.
Karen Kiklik

Ela começou cursando pedagogia, pois era o curso mais barato na época. Com a ajuda dos pais e do namorado, seguiu estudando. Depois de um tempo, conseguiu um estágio que pagava R$ 600 por mês.

Enquanto seguia no curso, ela continuava fazendo provas do Enem e tentava vagas por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada) e bolsas pelo ProUni (Programa Universidade para Todos).

A vontade real de Karen era cursar odontologia. "Eu vim de escola pública, mas minhas notas não eram suficientes para passar", lembra.

No segundo semestre de 2018, ela conseguiu passar no Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior) em odontologia na PUC Paraná. "Eu escolhi porque sempre foi meu sonho. Finalmente tinha conseguido."

Nesse tipo de financiamento, o estudante paga uma pequena parte do curso. No caso de Karen, era pouco mais de R$ 21 mil. Depois de se formar, paga o valor restante à Caixa Econômica Federal. O valor total do curso chegava a quase R$ 280 mil.

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Curso caro e com muitas despesas

Ao fazer a matrícula, Karen não esperava que o curso fosse tão caro. Só a lista de material no terceiro período chegou a quase R$ 7 mil. "A partir do quarto período, só vinha lista cara. Chegaram até a fazer uma vaquinha para eu conseguir comprar."

A turma da jovem era formada por pessoas de classe média, e havia poucos bolsistas. A maioria pagava a mensalidade de forma integral —quase R$ 3.700. "Tinha três bolsistas do ProUni. Nós éramos o grupo das pobres."

Algumas listas de material chegavam a custar de R$ 3 mil a R$ 4 mil. O curso ainda era integral, o que impossibilitava a paranaense de trabalhar enquanto estudava. Os estágios também eram feitos dentro da faculdade.

Formada e sem trabalho

Desde que concluiu o curso, em dezembro de 2022, ela não consegue encontrar um emprego na área. "Eu tirei o CRO [cadastro no conselho de classe], ficava mandando currículos, e muitos pediam experiência ou especialização e eu não tenho. Nunca tive retorno dos currículos que eu mandava."

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Ela ouviu de várias pessoas a sugestão para montar a própria clínica. No entanto, organizar tudo do zero é muito custoso. "Sendo pobre, as coisas são bem mais difíceis."

Agora, sua renda vem de alguns vídeos no TikTok e de resumos de materiais sobre odontologia que ela faz e vende, mas isso não é suficiente para se manter. Por enquanto, ela depende do marido e está morando na casa da sogra.

Como não consegue arranjar trabalho, Karen está longe de acabar com o saldo devedor que tem com a Caixa, de R$ 260 mil.

Ela diz que se soubesse ao certo como funcionava o programa ou que não conseguiria emprego de imediato, não teria optado pelo Fies. Para ela, faltou mais orientação sobre essa modalidade de financiamento.

O ideal é pesquisar bem o curso antes. Tem dias que me arrependo, tem dias que estou bem.
Karen

Renegociação

O caso de Karen não é isolado. Segundo o MEC, há quase um milhão de contratos do Fies inadimplentes aptos à renegociação. "O valor total do saldo devedor da carteira referente às parcelas em atraso é de R$ 15,49 bilhões", informa o MEC.

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No fim do ano passado, o governo abriu a renegociação de dívidas do Fies, para estudantes que adquiriram contratos até 2017 e com inadimplência em junho de 2023. Como Karen entrou no Fies no segundo semestre de 2018, ainda não tem direito à renegociação.

Segundo o MEC, havia cerca 1,2 milhão de contratos aptos para a renegociação (contratos celebrados até o ano de 2017). Mais de 208 mil contratos inadimplentes fizeram a renegociação até 5 de março. Há ainda 1 milhão de contratos aptos à renegociação até o dia 31 de maio. Os descontos podem chegar a 99%.

O MEC informou que "não há, no momento, renegociação de dívidas para contratos formalizados após 2018".

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