Quando a escola pública é desejada pela classe média?

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal

A baixa qualidade do ensino médio no Brasil, assim como a velocidade das mudanças e descobertas tecnológicas que ocorrem no mundo hoje, têm nos levado a perguntar: que escola queremos para que nossos jovens possam enfrentar os desafios do século 21?

Pensar o ensino médio no Brasil é focar no jovem que formamos ao final da educação básica. Resultados de uma pesquisa realizada pelo Todos Pela Educação apontam que 57% dos jovens com 19 anos concluem o ensino médio, o que representa um avanço significativo em relação ao passado, embora o número ainda esteja longe de ser satisfatório.

O Cenpec divulgou na semana passada os resultados de uma pesquisa sobre o ensino médio realizada nos Estados de São Paulo, Goiás, Pernambuco e Ceará. Uma das principais descobertas foi de que em todos os Estados pesquisados há uma política na qual a gestão das escolas é focada sobretudo na melhoria dos resultados dos indicadores de aprendizagem – por exemplo, o desempenho dos alunos em avaliações como o Saeb. As diferenças entre cada Estado estão na forma como eles articulam o currículo, o monitoramento, a avaliação e a formação de professores.

Os dados também revelaram que não é possível falar de um ensino médio único para toda rede, uma vez que encontramos em todas elas diferentes formatos de escola, como o ensino regular, noturno, integral, técnico, profissional ou misto. A diversificação em si não é um problema, mas sim as desigualdades das condições dos estabelecimentos e das equipes de professores no interior de cada uma dessas redes, onde numa ponta encontra-se o ensino noturno com os piores indicadores e na outra, as diversas modalidades de escola em tempo integral que apresentam os melhores resultados.

A ideia de oferecer um ensino de qualidade para todos cai por terra quando tentamos resolver nossos problemas de qualidade na educação de forma parcial, apenas para alguns, pois acabamos muitas vezes acentuando as desigualdades já existentes. Um exemplo se encontra nas escolas de tempo integral, que, mesmo quando são localizadas em áreas de mais vulnerabilidade social, selecionam de forma direta ou indireta os alunos com maior nível cultural e econômico, tornando-se atrativas para alunos de classe média. Devido à grande procura, as secretarias de educação colocam um teto máximo de vagas para estas escolas.

Depoimentos de alunos, professores, diretores e pais coletados nas escolas de tempo integral visitadas pelos pesquisadores mostram a importância das instituições de ensino e do vínculo que se estabelece entre seus integrantes.

Muitas vezes, a escola acaba sendo o principal polo de socialização da comunidade, tanto no campo como nas grandes cidades. Foi notado que professores e gestores sentem orgulho da escola. Segundo uma diretora, seu colégio "é um oásis que se preserva da violência". Os alunos também demonstraram que têm bom diálogo com a equipe escolar: "os professores se preocupam com a gente. Eles ensinam e não estão só preocupados em ganhar o salário, eles mostram a experiência de vida deles", disse um estudante.

Para a maioria dos jovens, o ensino médio é visto como uma ponte para o futuro, para acompanhar a sociedade moderna e sobretudo para não repetir a vida dos pais. A perspectiva da realização do Enem e da entrada na universidade, algo que no passado não estava no horizonte dos jovens pobres, agora passa a fazer parte de seus planos. "Em alguns momentos a gente tem até que sonhar por eles porque eles chegam aqui sem sonho nenhum", contou uma diretora. "Mas a partir do instante que eles se convencem que eles são capazes, eles nos surpreendem".

Podemos dizer que os achados da pesquisa demonstram um avanço nos resultados alcançados pelas escolas de ensino médio. Não encontramos apenas alguns diretores heróis, de escolas isoladas, mas sim vimos secretarias conscientes dos desafios do ensino médio que buscam alternativas e implementam novas políticas em suas redes. Vimos equipes engajadas e comprometidas, alunos protagonistas, escolas que acolhem, respeitam e valorizam o conhecimento como centro de sua cultura escolar. Tudo isso contribui para o alcance de indicadores melhores e a oferta de uma escola atrativa para alguns de nossos jovens.

Aí se encontra o nosso principal problema, pois, por exemplo, apenas 2,1% dos alunos de Goiás e 2,9% em São Paulo, 12,4% no Ceará e 34,7% dos alunos em Pernambuco conseguem se matricular em escolas de tempo integral no ensino médio. Isso agrava as desigualdades e revela nossa incapacidade de garantir o direito de todos a uma educação de qualidade.

Mas, afinal, como enfrentar o desafio de garantir equidade quando temos uma rede tão diversificada? As diversas experiências de educação integral existentes no país podem ser uma referência para que se busquem políticas voltadas para todos e que consigam aliar as novas demandas do século 21 com uma escola de qualidade para todos.

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.

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