Quais serão os próximos passos da educação?
Desde 2011, tivemos oito Ministros da Educação diferentes em um país que, até ontem, tinha como slogan "Brasil, Pátria Educadora". A frase foi adotada como marca do governo Dilma sem que efetivamente a educação alcançasse o status de prioridade nacional, uma vez que nossos indicadores apontam para os baixos níveis de qualidade da educação.
O discurso de posse do presidente em exercício, onde anunciou as primeiras medidas e diretrizes de sua gestão, não faz menção ao papel estratégico da educação. Ao contrário, ao fundir os ministérios da Educação e da Cultura desconsidera o papel e a função específica das duas políticas que, se articuladas e com a autonomia e atribuição preservadas, possibilitam ao país a construção de uma sociedade mais justa, cidadã e solidária.
A ênfase no diálogo com os diversos setores da sociedade me parece fundamental, não apenas para evitarmos mais retrocessos na educação, mas para que possamos avançar na direção das metas do Plano Nacional de Educação. Nesse contexto, acredito que quatro desafios são de fundamental importância neste momento: superar as desigualdades educacionais, promover a formação docente e a valorização da carreira, ampliar e avaliar o investimento na educação, consolidando uma gestão democrática e transparente e construir uma escola conectada a novos paradigmas, que dialoguem com o século 21.
Dado o espaço limitado desta coluna, optei por discutir inicialmente o primeiro destes tópicos, a superação das desigualdades educacionais. Este talvez seja nosso mais complexo e urgente desafio, uma vez que os dados sobre o tema são alarmantes e envolvem um grande contingente de alunos oriundos de famílias pobres. Segundo dados, mais de 50% de dos alunos das escolas públicas no Brasil pertencem a famílias beneficiárias do programa Bolsa Família, com renda máxima de R$ 154,00.
Um retrato dessas desigualdades pode ser visualizado na relação do contexto socioespacial, no qual as regiões norte e sudeste do país, assim como as zonas rurais, aparecem com todos os indicadores mais baixos em relação às demais regiões brasileiras.
Considerando as diferenças entre ricos e pobres, 31,4% de alunos do 9º ano da população mais rica possuem proficiência adequada em língua Portuguesa (o que, em si, já é um número pequeno), mas apenas 13,8% da população mais pobre alcança esse nível. Se considerarmos as desigualdades raciais à luz do mesmo indicador, verificamos que 32,28% dos alunos com proficiência adequada são brancos, enquanto apenas 18,34% são negros.
Apenas com estes poucos dados já notamos o panorama de desigualdade que enfrentamos. A superação da situação passa pela implementação de políticas intersetoriais que possam atender às necessidades específicas e às potencialidades dos territórios de maior vulnerabilidade social. Em um país das dimensões do Brasil é fundamental se levar em conta as diferenças regionais, culturais, sociais, econômicas e educacionais, especialmente nas condições e na forma de implementar e articular os programas e políticas.
Pensar cada lugar com suas características e histórias implica em articular as políticas de educação com saúde, cultura, esportes e assistência social em cada território. Experiências de criação de uma Rede de Proteção Social em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, demonstram que isso é possível.
O aumento de matrículas da educação infantil e da educação integral visto recentemente são passos importantes no acesso à educação. Mas devemos também alcançar um nível adequado de alfabetização aos 8 anos e implementar programas de aceleração de aprendizagem. Estas são medidas fundamentais para que possamos destravar as distorções entre a idade do aluno e ano cursado e oferecermos maior igualdade de oportunidades para todos.
É preciso dar continuidade no processo de discussão e implementação da Base Nacional Comum Curricular como forma de combatermos as desigualdades, na medida em que garante um conteúdo básico comum de qualidade a todas as crianças e jovens, respeitando as diferenças locais. Assim como a efetivação do Sistema Nacional de Educação, com a função de normatizar e incrementar o regime de colaboração entre os órgãos federados, incluindo o papel complementar e supletivo da União em relação a estados e municípios, reduzindo as desigualdades entre regiões.
Na próxima semana, continuarei minha análise do contexto atual e de possíveis encaminhamentos para os desafios da educação brasileira.
Maria Alice Setubal
Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.