Depois que a banda passou

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal

Como diz a velha canção de Chico Buarque:

"Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou"

As Olimpíadas passaram e tudo voltou ao seu lugar, mas certamente não da mesma forma. Fizemos bonito e sentimos orgulho de nossos atletas e de sermos brasileiros. Quando a mídia internacional apostava no fiasco dessas Olimpíadas, provamos para nós mesmos e para o mundo que somos capazes de organizar um megaevento global onde todos celebraram a beleza da festa e a nossa alegria contagiante.

Reafirmamos nossa característica de sermos hospitaleiros, qualidade que denota nossa capacidade de acolher o outro, o estrangeiro, o diferente. Mostramos também que não somos apenas o país do Carnaval e do futebol. No esporte, comemoramos medalhas em diferentes modalidades e para a organização do evento construímos arenas e espaços adequados, assim como uma infraestrutura de transportes que será um dos principais legados dos jogos ao Rio.

Conseguimos que milhares de voluntários se disponibilizassem a trabalhar duro para que tudo desse certo. Enfim, foram muitas as comemorações e os aprendizados. E, por isso mesmo, não podemos deixar que tudo isso se acabe, como a banda que passou.

Para nós educadores, uma das maiores lições dos jogos está na importância da Educação Integral, como provaram todos atletas que começaram sua participação esportiva em projetos sociais. Entendemos a Educação Integral como sendo uma educação baseada na concepção de integralidade das dimensões física, cognitiva, social e emocional. Com ela, esportistas aprendem a enfrentar riscos e encarar desafios, trabalhar de forma cooperativa e em equipe e ter disciplina e visão de longo prazo, habilidades que poderão impactar de forma positiva sua capacidade de avaliação e análise em disciplinas escolares. Esta é uma educação conectada com o século 21 e, portanto, aberta às comunidades locais, tendo ao mesmo tempo uma visão global.

O Plano Nacional de Educação coloca como meta termos, no mínimo, 50% das escolas públicas com educação em tempo integral, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da Educação Básica. Os avanços que tivemos nos últimos anos foram muito impulsionados pelo Programa Mais Educação, coordenado pelo MEC. Sem dúvida, depois de nove anos de existência, o programa merecia ajustes no seu desenho e também nos conteúdos. No entanto, para nossa surpresa, o governo atual declarou que não irá abrir novas inscrições para o programa em 2016, justificando sua posição por considerá-lo ineficiente e com graves problemas de gestão, carente de políticas de avaliação e com muitas distorções.

O Cenpec atua desde 1995 na área e defende com base em sua longa experiência a Educação Integral como poderosa política de enfrentamento das desigualdades sociais. Em pesquisa com escolas de Ensino Médio em 4 Estados brasileiros, demonstramos como as escolas de Educação Integral nas suas diferentes modalidades são capazes de oferecer melhores oportunidades de aprendizagem. Um exemplo é o estado de Pernambuco, que possui 35% de alunos matriculados em escolas de tempo integral em sua rede de ensino e alcançou os maiores níveis de equidade vistos na pesquisa.

Estudos acadêmicos internacionais chegaram à mesma conclusão. Em um estudo de 2015, o professor Robert Putnam, da universidade de Harvard (EUA), analisou os efeitos altamente positivos das atividades extracurriculares nas escolas americanas. Ele constatou que a Educação Integral contribui para o desenvolvimento de liderança, sociabilidade, trabalho em equipe, uma maior participação e autonomia dos estudantes. As atividades observadas eram realizadas nas escolas após o período regulamentar. Para o professor de Harvard, essa é uma das dimensões que explica as desigualdades educacionais do país, pois as escolas localizadas em bairros mais vulneráveis não possuem tais atividades ou elas são muito restritas e limitadas.

Frente a tantos benefícios comprovados da Educação Integral e do compromisso assumido com ela por meio do Plano Nacional de Educação, cabe a nós, educadores e organizações da sociedade civil, questionarmos essa medida do MEC com relação ao Programa Mais Educação. Para isso, podemos nos unir para apresentar resultados do programa e sugestões de ajustes a ele. Não devemos apenas desistir de uma medida que contribui para reduzir as desigualdades educacionais e sociais do Brasil.

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.

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