Que professores queremos para nossos alunos?
No artigo da semana passada, destaquei a superação das desigualdades educacionais como um dos quatro principais desafios – que considero de fundamental importância – a serem enfrentados pelo novo ministro da educação. Agora, discuto aqui outro destes desafios: a valorização dos professores, tema que tem relação direta com a qualidade da nossa educação.
Um olhar para o Censo Escolar de 2014 nos mostra que, embora tenhamos avançado no percentual de professores com nível superior nos últimos anos, mais da metade deles não tem formação adequada à disciplina que lecionam. Será que se os pais soubessem dessa situação eles não achariam que seus filhos deixam de receber um ensino adequado?
A globalização do mundo exige conhecimentos profundos e complexos. Sem eles, corremos o risco de nos distanciarmos cada vez mais do sonho de nos tornarmos um país desenvolvido. Temos hoje acesso a inúmeros recursos e exemplos de como ofertar cursos de pedagogia e de licenciaturas de qualidade para superarmos esse desafio. Capacitar professores é uma política invisível do ponto de vista eleitoral. Mas é preciso que gestores tanto em nível estadual como municipal se conscientizem dessa importância. E a sociedade pode ter um papel importante nessa demanda.
A valorização dos professores passa também pela existência de carreira e salários. O Piso Nacional do Magistério não é cumprido pela maioria dos estados, mesmo considerando que o rendimento médio dos professores de Educação Básica representa apenas 57,3% dos demais profissionais com a mesma formação. Atrair estudantes para essa carreira faz com que essa política tenha caráter de urgência. Todos esses fatores, que são parte das políticas educacionais, precisam se articular também com ações de valorização simbólica do professor pela sociedade, como respeito, admiração e profissionalismo.
No campo das propostas e ações, a implementação da Base Nacional Curricular Comum apresenta uma oportunidade promissora de rediscutirmos a formação inicial e continuada dos educadores. Instituições públicas e privadas serão responsáveis por trazer a nova base curricular para seus alunos, de modo a valorizar o conhecimento didático. Assim, os professores poderão transformar o conhecimento formal e teórico sobre as disciplinas que lecionam em conhecimento escolar, apresentado de forma clara e atrativa aos alunos.
Na formação em serviço, que ocorre ao longo da carreira do professor, a escola deve ser o espaço privilegiado de formação. Afinal, é nela que os docentes podem trocar experiências com os colegas e discutir a aprendizagens dos alunos dentro do contexto específico daquela comunidade. As ações formativas podem ser diversificadas, tendo com o coordenador pedagógico a centralidade desse processo. Tutorias, gravação e análise de aulas e protocolos são alguns exemplos que podem ser implementados pelas escolas.
Finalmente, é importante destacarmos o uso de plataformas digitais com recursos didáticos, como a Escola Digital, e cursos à distância como novas ferramentas que podem estimular a autonomia do professor na construção de sua carreira.
O professor é nosso bem mais precioso para o desafio de alcançarmos uma educação de qualidade. Um mestre que tenha nos apontado um caminho pode fazer toda a diferença em nossas vidas. Acredito que todos temos em nossa memória algum professor que nos marcou. Muitas vezes, essa influência pode ter acontecido com a introdução de um autor que nos fascinou, outras vezes descobrimos a beleza de uma disciplina, de um conceito ou personagem. Ou mesmo recebemos apoio em um momento difícil. Acredito que agora, por meio da pressão popular pela valorização dos docentes, podemos retribuir essa atenção e carinho.
No próximo artigo, vamos discutir quais condições são necessárias para enfrentarmos tantos desafios na construção de uma escola conectada com as questões contemporâneas. Não perca.
Maria Alice Setubal
Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.