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Depoimento: "Brasil tem uma dívida imensa com as escolas rurais", diz diretora do Icep

Cybele Amado*

Depoimento a Suellen Smosinski, do UOL, em Caeté Açu (BA)

15/01/2013 02h00

No dia 31 de dezembro de 2012 fez exatamente 20 anos que eu moro aqui [em Caeté Açu, no Vale do Capão, distrito rural do município de Palmeiras/BA]. Há vinte anos, quando eu cheguei, a escola pública, que era estadual, era de péssimas condições físicas. A estrutura era muito ruim, de chão de terra batida, esburacado, a janela nem abria, toda suja, um horror.

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Do ponto de vista de materiais, eu lembro que não tinha uma folha de sulfite, não tinha livro didático, nada disso. O cenário nessa época, 1992, era bastante caótico nas escolas rurais dessa região como um todo. Raramente você encontrava na sede [da cidade] uma escola com melhores condições, mas na zona rural era um abandono total e absoluto.

Eu fiquei muito impressionada. Quando eu cheguei tinha de 12 a 15 alunos numa 5ª série, hoje 6º ano; no 7º ano, antiga 6ª série, uma média de 10 alunos; na 8ª série, que hoje é o 9º ano eu tinha 5 alunos em uma sala, ia diminuindo. Então, eu já tomei logo um susto. Achava muito esquisito, tinha poucos alunos na escola e, entre aqueles alunos, tinham os que estavam com a idade diferente da série que deveriam estar, e obviamente com pouquíssimas possibilidades de acesso a livros, a um ambiente leitor, a um repertório literário.

Eles também tinham muita dificuldade na leitura e na escrita de um texto de autoria própria. Não que eles não pudessem, não era isso, mas é que não foram oferecidas as condições para eles desenvolverem isso.

Era esse o cenário, ainda que existisse um grupo de pessoas quando cheguei aqui, um grupo pequeno que tinha vindo de fora, que tinha feito um pouco de mobilização para existir, inclusive, essa escola de 6º ao 9º ano. Antes não tinha, era bem pior.

Para você ter uma ideia, muitas vezes já aconteceu de os alunos terem acesso a mapas, como de geografia, e não sabiam posicionar.

Uma coisa que eu acho muito linda do povo da zona rural, não só daqui, mas da onde eu ando também, é uma característica das pessoas que moram no interior e na zona rural, elas são muito generosas e abertas ao novo, querem aprender. Elas têm uma coisa bem interessante, ao mesmo tempo uma coisa muito sofrida, das condições de vida, de sobreviver.

O Brasil tem um dívida imensa

De fato, o Brasil tem uma dívida imensa com as escolas rurais. Tem um programa agora do governo federal, antes já tinha o Pronacampo, que vem agora com uma verba muito maior para investir nisso. A gente tem esperança que melhore, que avance.

Há quem diga: “Será que é só a estrutura física que faz os meninos aprenderem?” Sem dúvida que não. Mas, se você tem uma escola com telha de amianto, no meio do sertão baiano, eu, adulta, com dez minutos começo a ficar mole e não consigo raciocinar ali dentro, começo a passar mal. Então, é óbvio que a questão da estrutura influencia.

Hoje, meus alunos são os adultos do Capão, são os professores do Capão. O presidente da associação de Caeté Açu foi meu aluno, minha vice-presidente no Instituto Chapada foi minha aluna, que fez administração, pós-graduação em gestão de pessoas.

Do ponto de vista educacional, na escola onde eu moro em Palmeiras, aqui no Caeté Açu, teve uma mudança impressionante. Hoje, os meninos todos de cinco a seis anos já estão escrevendo e lendo. A defasagem idade/série praticamente não existe.

A escola quando eu cheguei aqui tinha duas salas, com aula de manhã e a tarde. Agora tem oito salas, incluiu educação infantil, que não tinha, tem laboratório de revelação de filme, estão fazendo uma quadra. Cresceu muito. A diretora da escola foi minha aluna, todas as professoras da escola do 1º ao 5º ano foram minhas alunas. Do 6º ao 9º ano ainda não, tem duas do 6º ano que foram minhas alunas também. A escola segue seu caminho.

Tanto a parte escolar e pedagógica, quanto a parte de mobilização, engajamento dos pais, as duas coisas caminharam muito juntas, e esse modelo inicial que a gente começou há tanto tempo atrás, de alguma forma foi uma semente para existir o Instituto Chapada e o que a gente faz hoje.

A gente nunca descolou a parte de mobilização e engajamento da comunidade do projeto de formação. São duas coisas que vêm juntas, a força que precisa vir para a formação de professores, coordenador pedagógico e diretor escolar, é a mesma força que precisa ser imprimida, reforçada e ajudada na mobilização.

Nós participamos da fundação da Associação de Pais, Educadores e Agricultores de Caeté Açu, de Capão, estamos lá desde quando tinha seis associados e hoje tem mais de 200. É a mesma força de participação de pais, da comunidade, do envolvimento. Nessa época, o que a gente sabia, era o que a gente foi aprendendo a fazer, mas ali já tinha essa semente, já vinha junto a associação e a escola.

Essa semente seguiu, obviamente se qualificando mais, se aperfeiçoando, produzindo material, metodologia, mas ela nasceu ali. E também, a gente juntou, naquela época, a associação, a escola e a Prefeitura de Palmeiras para fazer o primeiro projeto que chamava Programa de Desenvolvimento e Auxílio ao Professor, que era um projeto daqui e da zona rural ainda por cima, essa célula se multiplicou e se aperfeiçoou. Isso foi de 1996 para 1997, mais ou menos quatro anos depois que eu cheguei a gente já estava fazendo isso.

Esse desenho de juntar empresa, o programa Crer para Ver estava na Fundação Abrinq com a parceria da Natura, prefeitura, comunidade e escola pela educação já estava fomentado naquela época. Lembro muito do grupo que ajudava a gente a discutir a ideia, eles vislumbravam que a ideia era muito interessante de juntar empresa com escolas.

O trabalho com professores da rede rural foi a semente do projeto. Depois tivemos a oportunidade de expandir para a Chapada, junto com o Crer para Ver. Eram dez municípios interessados e na reunião apareceram 12.

Passamos um ano escrevendo o Projeto Chapada, com reuniões uma vez por mês. Na época era formação de coordenador pedagógico, somente – não existia nem a figura, nem a função identitária do coordenador. Depois a gente abriu para trabalhar com diretor escolar. A rede tem uma autogestão cooperada, é uma rede colaborativa, sempre foi assim. Todo santo mês a gente avaliava e reescrevia o projeto.

Eles [secretários de educação, diretores, coordenadores e professores] falam tanto da parceria com o Instituto Chapada, mas eles são a instituição, eles ajudaram a escrever essa história e reescrevem o projeto sempre. 

* Cybele Amado, 45, é pedagoga, presidente e diretora executiva do Icep (Instituto Chapada de Educação e Pesquisa). Ela foi a ganhadora do prêmio Empreendedor Social 2012, promovido pela Folha de S. Paulo em parceria com a Fundação Schwab. O Icep foi fundado no ano de 2006