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"Sozinho, computador na sala de aula não faz nada", diz pesquisador

Do Porvir

27/03/2013 15h33Atualizada em 27/03/2013 15h35

“A mera presença dos objetos técnicos em sala de aula não significa necessariamente inovação. Pode até ser um grande retrocesso. O computador sozinho não faz nada”. A afirmação é de Edvaldo Couto, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e pesquisador nas áreas de cibercultura, tecnologias educacionais e criação de narrativas em ambientes digitais.

Doutor em Educação pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Couto é defensor do “uso de toda e qualquer tecnologia em sala de aula”, mas desde que acompanhada de objetivos e métodos.

Ele defende que nessa nova era tecnológica, o professor tem um novo papel. “O professor não é mais aquele que transmite um determinado saber pronto. Ser professor na cultura digital implica coordenar, orientar, incentivar a aprendizagem colaborativa e cada vez mais personalizada”, disse Couto nessa entrevista ao Porvir.

Couto foi palestrante em duas edições do congresso InovaEduca 3.0 –que discute práticas inovadoras na educação.  Na conversa, ele também defende que o conceito de educação 3.0 só terá sucesso no Brasil quando alguns problemas estiveram solucionados, como a falta de infraestrutura nas escolas e a má formação tecnológica dos professores.

Leia a íntegra da entrevista:

Como usar a tecnologia de forma inovadora?

Edvaldo Couto - A Educação 3.0 é a tecnologia de pessoas, que integra pessoas. Para usar as tecnologias digitais de forma inovadora nas práticas docentes precisamos solucionar simultaneamente três problemas:

1 – Melhorar a infraestrutura tecnológica. Existem escolas que receberam computadores e não têm luz elétrica ou acesso à internet. Muitas escolas não têm água potável, não têm biblioteca, não tem sequer professores. Para complicar, os computadores são em número limitado, não tem para todos. É preciso ampliar e criar novas políticas públicas capazes de construir uma boa infraestrutura tecnológica nas escolas.

2 – Melhorar o acesso à rede. A banda larga no Brasil é uma piada. É preciso investir e melhorar a banda larga, entender que conexão é uma necessidade básica da população. Os custos no Brasil, por um serviço sempre ruim, são altíssimos. Precisa reduzir drasticamente o custo e ampliar a velocidade da rede. A internet veloz precisa estar disponível nas escolas. Não pode ser um projeto de algumas escolas particulares e muito caras. Deve ser presença em todas as escolas. Em cada escola pública.

3 – Formar adequadamente os professores para a cultura digital. Muitos professores não sabem o quê nem como fazer uso das tecnologias digitais em suas práticas docentes. Não pode ser apenas um cursinho de poucos horas para ensinar a ligar e desligar aparelhos. Os professores devem ser letrados digitalmente, ter autonomia e liberdade, precisam ser sujeitos integrados na cultura digital.

Esses três pontos na verdade ressaltam que, quando se fala em tecnologias digitais não mais falamos em máquinas, mas em pessoas conectadas, fazendo coisas incríveis porque estão juntas, trabalham em parcerias, de modo coletivo. Se as pessoas não estiverem conectadas e não tiverem liberdade para discutir e criar, nada mudará na educação.

Uma de suas pesquisas é voltada para as Narrativas de Professores nas Redes Sociais Digitais. Como elas podem auxiliar no processo de aprendizado?

Edvaldo Couto - É possível que o mais extraordinário da nossa época seja o fato de qualquer pessoa conectada a internet poder narrar a sua história, contar sobre o seu modo de ver os acontecimentos, opinar sobre um produto, discutir e difundir ideias. A Web 3.0 potencializou essa condição e permitiu a cada um narrar e publicar suas experiências. Então, as narrativas, sobretudo as pessoais, se multiplicam a cada dia nessa esfera pública que é a rede. Muitos professores vivem conectados, são incríveis narradores de si, mas, sobretudo, de suas práticas docentes. Essas narrativas de professores, especialmente nas redes sociais digitais, orientam, estimulam e se misturam a milhares de outras narrativas de alunos. Qualquer processo de ensino e aprendizagem se mostra mais rico e interessante em meio a essas trocas contínuas.

Como deve ser o processo de integração desse professor na cultura das redes sociais?

Edvaldo Couto - Vivemos uma estimulante e sedutora cultura das redes sociais digitais. Muitos são os professores integrados a algumas dessas redes, mas poucos usam as potencialidades desses ambientes nas suas práticas pedagógicas. Esse parece ser o nosso maior desafio: incentivar professores a inovarem práticas docentes usando as redes sociais digitais. E aqui o importante não é apenas distribuir tarefas, mas, principalmente, criar e manter espaços contínuos e ativos de discussões, produções e difusões de conhecimentos.

E como definir a Educação 3.0?

Edvaldo Couto - A educação 3.0 traz as tecnologias digitais para a sala de aula para estimular a produção e a troca de conhecimentos. A ênfase não deve estar nos objetos técnicos, seus ambientes e aplicativos, mas nas interações, nas trocas, no fazer coletivo. Então a sala de aula passa a ser qualquer ambiente onde as pessoas se conectam umas as outras e criam, encontram soluções para seus problemas, enfrentam coletivamente seus dilemas. Onde tem pessoas conectadas, tem ensino e aprendizagem mediados por tecnologias digitais.  O professor não é mais aquele que transmite um determinado saber pronto. Ser professor na cultura digital implica coordenar, orientar, incentivar a aprendizagem colaborativa e cada vez mais personalizada. Não se trata mais de uma mesma tarefa para todos num determinado espaço e tempo. O professor agora é aquele que coordena as atividades em torno de algum problema, ou de determinados problemas. Assim, muitos grupos, em diferentes espaços e tempos, podem trabalhar em conjunto. Cada professor, cada aluno, pode abrir uma frente de investigação e todos podem compartilhar dúvidas e descobertas. A troca contínua de experiências passa a ser um valor fundamental da Educação 3.0. Ela depende menos dos objetos técnicos utilizados e mais das articulações que são feitas. Estar conectado passa a ser a condição desse “estar junto e produzir coletivamente”.

Como ela tem sido usada no Brasil?

Edvaldo Couto - Essas experiências estão presentes em muitas escolas no Brasil. Mas ainda não é o suficiente porque em muitos ambientes escolares o modelo trasmissivo impera. Os usos frequentes das tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem vão mudar radicalmente o modo como concebemos a educação. Essas mudanças já podem ser percebida onde encontramos professores e alunos engajados, motivados e prontos para enfrentar os desafios de hoje e do futuro. O importante aqui é perceber que o aprendizado se dá por meio de ações continuadas, que não se restringem às oportunidades apresentadas pelo professor, dentro de uma sala de aula tradicional. As pessoas estão cada vez mais conectadas e isso permite explorar muitas possibilidades, criar de muitas maneiras, cada um pode desenvolver o seu ritmo de aprendizagem, abrir-se para experiências sempre renovadas.

Como seria a educação ideal para os próximos 5 (talvez 10) anos?

Edvaldo Couto - Não me agrada muito pensar em certas visões tão difundidas de alunos enfileirados na frente do computador. Com as tecnologias móveis e cada vez menores as pessoas estão conectadas umas às outras por meio de muitos aparelhos. A tendência é que esses aparelhos se tornem progressivamente quase imperceptíveis. Hoje já falamos numa internet corporal. Cada corpo se conectará a outros corpos. As máquinas, como intermediárias da conexão, poderão desaparecer. Restarão as pessoas conectadas e inventivas. Essa seria a realização mais plena do ciborgue. As escolas tradicionais funcionarão ainda por muito tempo e provavelmente algumas gerações ainda lutarão por inovações pedagógicas sempre aprisionadas por burocracias na gestão escolar. Os avanços serão tímidos, mas já importantes, como alguns já citados. Viveremos ainda um bom tempo entre paredes e redes. Mas também é possível desejar e imaginar que brevemente as paredes poderão ser derrubadas e que a escola será não um lugar, mas a extraordinária rede de conexões das pessoas cada vez mais empenhadas em processos de ensino e aprendizagem colaborativos. Aí a sociedade do conhecimento será de fato construída e vivenciada democraticamente.