Professor tenta fortalecer a língua indígena com escola bilíngue
"Ivaniti i'jahamania", diz o professor. Os alunos respondem em coro: "há'a". Pronto, agora a aula já pode começar. Quem é de fora tenta adivinhar o que o professor e os estudantes estão dizendo. Não é fácil.
A frase do educador nada mais é do que um "Oi, tudo bem?" na língua materna dos Paumari (família linguística Arawá), povo indígena que vive na região do médio rio Purus, sul do Amazonas.
Na sala de aula número nove da Escola Municipal Francisca Gomes Mendes, Edilson Rosário Paumari, 34 anos, recebe seus 35 alunos todas as sextas e sábados para ensinar gratuitamente a língua falada pelo seu povo. A escola municipal fica localizada no bairro da Fonte, um dos mais pobres e violentos da cidade de Lábrea (701 km de Manaus).
"O objetivo é que os alunos entendam o nosso mundo indígena e a sociedade também. É muito importante usarmos a língua portuguesa nos estudos, na sala de aula padrão, mas também é importante para nós indígenas usarmos a língua [materna]."
No projeto chamado "Sou Bilíngue Intercultural", indígenas de qualquer idade podem aprender a ler e a escrever na língua dos Paumari e dos Apurinã (família linguística Aruak-maipure). Além disso, pinturas, danças e arte indígenas são ensinadas. "E nesse ano queremos inserir a antropologia, arqueologia, meio ambiente e linguística", acrescenta Edilson.
Os critérios para participar são: ter boa vontade e frequentar as aulas.
"É muito bom aprender o português para nós conseguirmos nos comunicar e fazer o nível superior. É a língua usada no nosso dia a dia, mas não podemos nos esquecer do conhecimento do nosso povo", explica o professor. "O que me incomodava era que os parentes que moravam na cidade falavam só português. Daí fiquei pensando: os Paumaris não conseguem dominar nem bem o português, nem o paumari. Por isso pensei em ensinar meu povo."
O professor foi alfabetizado em paumari em sua aldeia, mas começou a aprender a língua portuguesa ainda criança. Estudou do 1º ao 5º ano na própria comunidade, mas teve que deixar sua família para poder continuar os estudos – a escola indígena não possuía professores capacitados para ensinar os demais anos do ciclo de ensino, um dos maiores problemas vividos ainda hoje pelos indígenas da região.
"A nossa situação é que a gente gostaria que a educação de qualidade chegasse às aldeias, mas a realidade é que nós indígenas estamos saindo da aldeia para continuar a educação", comenta o professor.
Campeonato da língua
Para estimular seus alunos e verificar se seu projeto está sendo eficaz, o educador criou em 2014 o "Campeonato da Língua".
Duas aldeias participam e cada uma seleciona 12 pessoas que possuem bons conhecimentos do idioma. Em seguida, vários desafios, como contação de histórias, dança e pintura, são propostos e um júri composto por professores, ex-professores e anciões têm a responsabilidade de apontar o grupo vencedor. Tudo isso é feito, claro, na língua dos Paumari.
"Nós indígenas somos um povo minoritário diante da sociedade, mas com conhecimento a gente vai conseguir fortalecer nosso povo, fortalecer a língua e colaborar com o país. Temos que valorizar e ter orgulho de um país que tem várias línguas dentro dele", diz Edilson.
Desafios e conquistas
O curso "Sou Bilíngue" funciona desde 2010, porém ainda enfrenta alguns desafios. Um deles, segundo Edilson, é a falta de mais apoio da prefeitura de Lábrea, que cedeu duas salas de aula para que o projeto funcione. "Falta material didático para os alunos, falta merenda – que esse ano já disseram que não vamos ter. Eu e o professor Francisco [do idioma dos Apurinã] fazemos tudo. O projeto se mantém com a nossa própria boa vontade de estar ensinando." Os educadores recebem cerca de R$ 900 por mês como salário da prefeitura, segundo Edilson.
O UOL tentou durante quatro dias contato telefônico com a Secretaria de Educação de Lábrea, mas não conseguiu.
Apesar das dificuldades, o professor não disfarça sua alegria ao lembrar de todo o percurso até hoje. "A gente conseguiu com que os alunos entendessem o valor da nossa língua. Eles começaram a usá-la de uma maneira natural. No começo eles se sentiam inferiores por falar uma língua que é indígena e achavam que se falassem só o português eles seriam melhores. Agora não."
*A jornalista viajou à convite da Caravana do Esporte e da Caravana das Artes, projeto da ESPN em parceira com o Instituto Esporte e Educação, Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e Disney, que tem como objetivo levar a metodologia do esporte educacional e da arte-educação para comunidades do interior do Brasil com baixo ou médio IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
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