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Aluna de escola pública aprovada na Unifesp: no cursinho, não sabia tabuada

Bruna Souza Cruz

Do UOL, em São Paulo

26/02/2016 10h00Atualizada em 10/03/2016 09h33

Foi com um sorriso tímido que Miriã Galvão Fernandes, 19, entregou seus documentos e formalizou sua matrícula no curso de história da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), em Guarulhos (SP), no último dia 18. Com 920 pontos de redação no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), ela foi aprovada pelo Sisu (Sistema de Seleção Unificado).

A data marca a concretização de um objetivo, que lhe tirou noites de sono, trouxe crises de ansiedade e muitas dúvidas sobre a própria capacidade. 

A jovem estudou a vida toda numa escola pública de Perus, bairro em que cresceu, e conta que estava muito atrasada em relação aos outros alunos quando chegou ao cursinho.

“[Na escola] faltavam carteiras, cadeiras, água. Aconteciam coisas absurdas, como um dia em que eu vi um rato na dispensa. Sem falar das aulas que não tínhamos. No cursinho, eu não sabia nem que literatura era matéria da escola no terceiro ano. Não sabia nem a tabuada direito", lembra a garota, que frequentou as aulas do curso preparatório dos alunos da Unifesp (Cuja).
 

"Eu chorava porque eu sentia uma realidade muito diferente da minha. Não conseguia dormir e ficava pensando 'olha o tanto de coisa que eu tenho que aprender. Não vou conseguir'.

Foram muitos meses recuperando o “tempo perdido”, mas depois que se acostumou com a rotina do cursinho - e com as quase 3h de viagem entre sua casa e o local -, Miriã colocou em prática uma estratégia: 8h diárias de estudo na semana com aulas online, exercícios da matéria dada no dia anterior e simulados. Aos domingos treinava redação.

Como se não bastassem essas limitações, o pai ficou desempregado e ela precisou dar outro destino ao dinheiro que havia poupado durante quase um ano de trabalho para conseguir se manter no cursinho. Era uma poupança que ela havia feito em 2014, pois na época ela não podia só estudar. Tinha que trabalhar.

Faltando dois meses para o fim das aulas, ela já não tinha dinheiro para pagar as passagens. “Meus irmãos até tentavam me ajudar, mas eu não queria ficar pedindo pra minha família”, relembra.

Para comer também era difícil. "Quase todo dia uma amiga levava um pão com queijo e tomate para eu não ficar com fome nas aulas. Tenho que agradecer muito o apoio das minhas amigas e dos professores.”

Superados os obstáculos, Miriã não esconde o alívio com a aprovação e já faz (mais) planos: quer ser professora no bairro em que vive. "Minha meta com tudo é isso fazer faculdade e voltar para o local de onde eu vim. Quero poder retornar à sociedade o que aprendi e vou aprender", afirma. 

A Unifesp possui dois tipos de processos seletivos. Cursos como o que Miriã foi aprovada, administração, ciências sociais e psicologia são oferecidos por meio do Sisu. Já candidatos aos cursos de medicina, ciências biológicas e engenharia química, por exemplo, são selecionados pelo Sistema Misto.

Nas duas opções, a pontuação obtida no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) é obrigatória e a instituição reserva 50% das vagas a candidatos que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, parte das quais são destinadas a aprovados que tenham renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo por membro da família e a candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.