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Fuvest 2020 mantém prova vista como conteudista e cobra questões do momento

Werther Santana/Estadão Conteúdo
Imagem: Werther Santana/Estadão Conteúdo

Carolina Cunha e Jéssica Maes

Colaboração para o UOL

25/11/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Fake news, leis trabalhistas e terraplanismo foram alguns dos temas cobradas
  • Pela primeira vez, caderno de prova tem cores para ilustrar figuras, mapas e gráficos
  • Gabarito oficial é divulgado hoje pela Fuvest

A prova da primeira fase do vestibular da Fuvest, o maior do país, aconteceu no último domingo (24). Segundo professores de cursinhos ouvidos pelo UOL, o exame que seleciona para a Universidade de São Paulo (USP) manteve um nível de exigência elevado, com questões de múltipla escolha bem elaboradas, interdisciplinares e que exigem do candidato o conhecimento sobre conteúdos tradicionais do ensino médio. O exame trouxe temas discutidos atualmente como fake news, leis trabalhistas, terraplanismo e as queimadas na Amazônia.

O gabarito oficial será divulgado nesta segunda (25) no site da Fuvest.

Uma novidade foi o uso de cadernos de prova coloridos, com figuras, mapas, gráficos e outras imagens. Até então, os cadernos eram impressos nas cores preto e branco apenas. "O uso da cor foi essencial para o entendimento de algumas questões. A inovação foi positiva e abre portas para a Fuvest trazer questões mais criativas", diz Fernando da Espiritu Santo, gerente de inteligência educacional e avaliações do Poliedro.

O exame também estreou o sistema de reconhecimento facial dos candidatos, que substitui a coleta de impressão digital. Na hora da prova, os fiscais identificaram os candidatos por meio de um aplicativo no tablet.

PROVA

Os mais de 129 inscritos responderam 90 questões de múltipla escolha (biologia, física, geografia, história, inglês, matemática, português e química). "A prova exigiu do candidato o domínio de vocabulário e de conceitos dos conteúdos tradicionais do ensino médio. Vai passar para a 2ª fase o aluno que realmente se preparou", avalia Vera Antunes, coordenadora do Colégio Objetivo.

Chamou a atenção o número de questões que pedem aos candidatos correlação entre conhecimentos de diferentes disciplinas. "Esse ano a prova trouxe maior interdisciplinaridade do que nas provas anteriores. Foi necessário um repertório cultural e de vocabulário muito forte.

A prova abordou temas sensíveis ao Brasil no momento. Apesar disso, o exame não fez menção direta ao governo de Jair Bolsonaro. "Foram questões neutras, que não enveredaram para uma polêmica política. A Fuvest não emitiu uma opinião, ela apenas usou os fatos para construir uma questão", avalia Fernando da Espiritu Santo.

Humanas

Em Geografia, houve questões sobre as queimadas na Amazônia, conflitos na Síria e as relações diplomáticas entre o Brasil e os Estados Unidos, em uma pergunta que abordava a proposta de mudança da embaixada do Brasil para Jerusalém, em Israel. Houve ainda uma questão sobre o processo de gentrificação, que abordou a experiência da cidade de Barcelona (Espanha).

"Apesar de trazer alguns temas polêmicos, Geografia trouxe assuntos que são tratados de maneira muito tradicional ao longo do Ensino Médio e do período de preparação dos alunos para o vestibular", diz Antunes Rafael dos Santos, diretor pedagógico da Oficina do Estudante.

Em História, a prova trouxe o incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. O tema já havia sido abordado na Fuvest 2019. Nessa prova, a Fuvest abordou o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo da América do Sul. Houve ainda questões sobre a consolidação das leis trabalhistas e as fake news.

Outra questão que chamou atenção trazia a letra de "geração Coca-Cola", da banda Legião Urbana. A questão discutia o fim do período do regime militar no Brasil e o processo de redemocratização, relacionando as Diretas Já com o posicionamento da juventude.

O terraplanismo foi citado, numa questão que abordava o período das Grandes Navegações, envolvendo as disciplinas de História e Geografia. Ela trazia um mapa e citava paradigmas da Igreja Católica. "Ainda se pensava na Terra Plana, mas o mapa indicava que a Terra não era plana. A pergunta deu uma pincelada nesse tema, mas em um contexto histórico de como o mapa foi construído", diz Fernando da Espiritu Santo.

A falta de alguns conteúdos foi criticada por alguns professores. "Senti falta de temas como a República Velha e o Império, que não caíram. Em Brasil Colônia, caiu apenas uma pergunta", avalia Daily de Matos, coordenador do Colégio Objetivo.

Para Matos, a quantidade de perguntas que conectou História e atualidades prejudicou a abordagem de outros conteúdos relevantes. "A Fuvest pegou um gancho da história para discutir questões do momento. Isso valoriza o papel do historiador, mas não do professor em sala de aula. Poderiam discutir outros conteúdos da disciplina que o aluno realmente poderia saber porque foi muito abordado no ensino médio. Espero que a Fuvest compense na segunda fase".

A prova de português foi considerada mais difícil do que nos anos anteriores, pela extensão e o vocabulário mais complexo. "Português teve um grau maior de dificuldade, em função da quantidade de questões, vocabulário e tamanho dos textos. As questões sempre tinham trechos de textos com até três referências. Isso demanda um pouco mais de tempo para o aluno ler o comando e depois resolver", acredita Fernando da Espiritu Santo.

Uma questão de interpretação de texto usou como base o texto da filósofa Djamila Ribeiro para abordar o tema do feminismo negro. "É uma autora contemporânea. No trecho, ela fala de identidade e explica o que ela entende por feminismo negro. Ela está visada e achei bem interessante", diz Serginho Henrique, professor de Português do Colégio Objetivo.

A prova de inglês também foi considerada mais difícil. "Foi mais densa do que no ano passado, o aluno tinha que ter conhecimento da língua mesmo. Não adiantava o aluno simplesmente querer interpretar", conta Vera Antunes.

Em literatura, a prova exigiu um nível avançado de leitura e entendimento das obras obrigatórias, tanto no aspecto da narrativa propriamente dita como do contexto histórico, social e estilo literário. "Foi evidenciado a necessidade de o aluno ter lido as obras. A grande dificuldade era o fato de as alternativas exigirem do candidato uma reflexão aprofundada. Por mais que as questões trouxessem fragmentos, o aluno precisava sair da leitura simples e ir para a obra como um todo", conta professor Antunes Rafael dos Santos, diretor pedagógico da Oficina do Estudante.

Dos nove livros obrigatórios, as obras Mayombe, de Pepetela, O Cortiço, de Aluísio Azevedo e A Relíquia, de Eça de Queirós, não caíram na prova. "Me chamou a atenção algumas questões que fizeram cruzamentos com obras, que pediam para fazer relações entre os autores", diz Serginho Henrique, do Colégio Objetivo.

Exatas e Biologia

Nas ciências exatas, a prova de matemática não trouxe grandes dificuldades. "De maneira geral, matemática não foi a vilã dessa edição. Foi tranquila, não era muito trabalhosa, e em alguns momentos, só jogando com os números os candidatos podiam encontrar a resposta", avalia Espiritu Santo.

"Não houve uma dificuldade acentuada em relação a anos anteriores. É uma prova que está mais acessível", concorda o coordenador do Grupo Etapa, Marcelo Dias Carvalho. Física e Química, por outro lado, demandaram mais dos candidatos. "Foram duas disciplinas mais exigentes, tanto pela parte conceitual quanto pela parte de contas. Isso deu trabalho para o aluno."

"Química foi muito conceitual e totalmente inovadora", diz o coordenador geral do curso e colégio Objetivo, Daily de Matos, que avalia que a prova trouxe questões complicadas e com enunciados longos. "Era mais do que um aluno bem preparado precisava. A química destoou bem [do resto da prova]".

Já o professor Philippe Spitaleri, do Anglo Vestibulares, considerou que a prova de Química estava dentro do esperado. "Foi uma prova tradicional, bem contextualizada, que não priorizou cálculos, mas sim análises de conceitos". Para ele, a questão mais difícil foi a de número 6, que envolvia cálculo de diluição.

O diretor do curso Oficina do Estudante, Antunes Rafael, acredita que os alunos podem ter se surpreendido com a prova quando comparada a anos anteriores. "Várias questões demandavam interpretação de texto, o que contrasta com o padrão da Fuvest, de questões mais diretas", aponta.

De modo geral, a prova de Física teve bom equilíbrio entre questões fáceis, medianas e difíceis - seguindo o método já tradicional na Fuvest. "Nada de muito diferente aconteceu em relação aos vestibulares anteriores e a prova se mostra muito conteudista", opina o professor de Física do Anglo, Madson Molina.

"Física apresentou questões que privilegiaram a compreensão dos fenômenos físicos, em detrimento da ênfase em cálculos", explica o diretor do Oficina do Estudante, Marcelo Pavani. Os candidatos precisaram analisar gráficos, resolver questões clássicas de eletricidade e forças elétrica e magnética, pêndulo, além de uma questão simples de análise dimensional.

Matos, do Objetivo, ressalta que a prova trouxe temas atuais que marcaram 2019, como a primeira foto já tirada de um buraco negro e a efeméride dos 50 anos desde que o homem pisou na Lua.

De acordo com Molina, a maior dificuldade ficou nas questões que traziam conteúdos aprofundados. O destaque vai para a pergunta número 73, totalmente conceitual, sobre velocidade de escape de corpos próximos a planetas em comparação à atmosfera destes planetas.

Já Biologia foi uma prova mais simples do que em anos anteriores. "A prova de Biologia da Fuvest foi a mais fácil dentre todas as outras grandes provas que foram realizadas esse ano", afirma o professor Marcelo Perrenoud, do Anglo Vestibulares. Foram cobrados, por exemplo, conteúdos de citologia e genética sendo que a questão, segundo Perrenoud, era de ecologia e falava sobre um procedimento de desmatamento e queimada.

Para Carvalho, ainda que a prova tenha sido fácil, as questões foram bem elaboradas. "Foi bonita, porque teve muitos temas da atualidade", opina.

A interdisciplinaridade também chamou atenção. Uma das questões de matemática trazia uma tirinha dos personagens Calvin & Haroldo, do cartunista americano Bill Watterson. Escrita em inglês, a tirinha traz um problema matemático, que o candidato precisava entender para achar a resposta certa. "Se ele não dominasse a língua inglesa, pelo menos o inglês instrumental, não ia conseguir responder à questão", afirma o gerente do Poliedro.

Outra pergunta interdisciplinar misturou Biologia e Geopolítica, relacionando bactérias e fungos resistentes a antibióticos a tratados internacionais de saúde. A questão exigia que o aluno refletisse sobre dificuldades para solucionar esse problema levando em consideração países isolacionistas, que não participam de tratados de saúde internacionais, deixando algumas comunidades mais vulneráveis.

Gabaritos extraoficiais

Confira abaixo o gabarito extraoficial elaborado por professores de cursinho.

Segunda fase da Fuvest 2020

Os mais bem posicionados nesta primeira fase serão convocados para mais dois dias de prova. A lista de aprovados na primeira fase será divulgada no dia 9 de dezembro.

Já a segunda fase será aplicada nos dias 5 e 6 de janeiro. Os estudantes responderão a questões discursivas de língua portuguesa e, pelo menos, duas disciplinas específicas conforme o curso escolhido, além de uma redação.