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Se não tiver Enem, aí sim alunos serão prejudicados, diz presidente do Inep

Alexandre Lopes, presidente do Inep - Divulgação/Arquivo Pessoal/MEC
Alexandre Lopes, presidente do Inep Imagem: Divulgação/Arquivo Pessoal/MEC

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

17/04/2020 23h04

Resumo da notícia

  • Em entrevista ao UOL, presidente do Inep defendeu manutenção do calendário do Enem
  • Alexandre Lopes disse que o órgão "sempre" tem um plano B, mas evitou falar sobre alternativas
  • Segundo ele, caso regras sanitárias sejam decretadas pelo Ministério da Saúde para a realização do exame, elas serão acatadas

A data de aplicação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) tornou-se alvo de especulações desde o início da crise provocada pelo novo coronavírus no país. Na noite de hoje, a Justiça Federal de São Paulo determinou que a edição deste ano seja adiada em função da pandemia. Contudo, em entrevista ao UOL realizada antes da divulgação da decisão, o presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), Alexandre Lopes, havia afirmado que tinha a intenção de manter a aplicação para o mês de novembro.

"No momento, como a gente tem conseguido cumprir todas as etapas [necessárias para a realização do exame], a gente permanece com o nosso plano A", afirmou Lopes.

O edital do Enem, principal porta de entrada ao ensino superior no país, foi publicado no fim de março pelo Inep, mantendo as provas para os dias 1º e 8 de novembro deste ano.

A decisão foi criticada por entidades estudantis e pelos secretários de educação, sob o argumento de que a manutenção das datas irá ampliar as desigualdades entre os alunos, já que muitos deles não têm acesso a aulas a distância para estudar para o exame.

Ontem, a Defensoria Pública da União entrou com uma ação cível pública contra o Inep para pedir o adiamento do Enem e alterações no cronograma do exame. A juíza Marisa Claudia Gonçalves Cucio, da 12ª Vara Cível, acolheu o pedido da Defensoria, determinando que o calendário de provas seja adequado à realidade do ano letivo, que está suspenso em muitos locais por conta de políticas de isolamento determinadas pelos estados ou mesmo pelo governo federal.

Lopes, no entanto, afirma que "o maior prejuízo para a sociedade é não ter essa política pública que é o Enem".

Perguntado sobre alternativas para a aplicação do Enem, caso o período de isolamento se estenda, Lopes afirmou que o MEC (Ministério da Educação) e o Inep "sempre" têm um plano B, mas evitou falar sobre outras opções.

O presidente do Inep disse ainda que o governo irá conceder a isenção da taxa de inscrição mesmo para os candidatos que não conseguiram fazer o pedido até esta hoje, quando foi encerrado o período para as solicitações da gratuidade. Ainda devem ser cumpridos, no entanto, os requisitos para a isenção (como estar em condição de vulnerabilidade socioeconômica ou ser aluno de escola pública, por exemplo).

Confira, abaixo, trechos da entrevista concedida ao UOL antes da decisão da Justiça de São Paulo que determinou o adiamento da prova.

UOL - Estamos com as aulas suspensas em todo o país — em alguns lugares, inclusive, há mais de um mês. Até o momento, não existe nenhuma perspectiva de quando as aulas presenciais voltarão a acontecer. O Inep vai manter o calendário do Enem?

Alexandre Lopes - O mais importante para nós, neste momento, é cumprir as etapas necessárias para que a gente tenha o Enem. O objetivo do Inep, do MEC, é que tenha o Enem. Para isso, a gente tem que cumprir várias etapas. Temos que publicar o edital. Nós encerramos agora a etapa do pedido de gratuidades, temos que fazer as inscrições. Depois das inscrições a gente faz o ensalamento, a gente manda para a gráfica para poder imprimir e distribuir as provas.

Esse é um trabalho complexo, que demora muito tempo, envolve várias pessoas. O importante é ir preparando o terreno para que a gente tenha a prova, porque eu não consigo fazer o Enem começando [o processo] apenas quando as aulas voltarem. A gente não consegue fazer o Enem se isso acontecer.

O MEC e o Inep não cogitam nem uma mudança de data, possivelmente, mais para a frente, a depender do tempo que a gente permaneça nessa situação de quarentena?

O ministro, inclusive, já publicou no seu Twitter que está atento à situação, e se for necessário ele altera as datas. Mas, por enquanto, as datas estão mantidas.

E se em novembro persistirem as restrições de circulação, qual é o plano do Inep para a realização do Enem?

Vamos esperar isso para novembro. Um passo de cada vez. O que a gente tinha que fazer agora: cumprir o período de isenções. Várias pessoas criticaram, dizendo que os alunos não teriam computador para fazer [o pedido de] isenção. E não foi isso que nós vimos.

Nós vimos que 70% dos pedidos de isenção foram feitos pelo celular. Mais de 3 milhões de pessoas fizeram o pedido de isenção. As pessoas tiveram acesso, conseguiram fazer. Nosso objetivo era garantir o pedido de isenção, nós fizemos isso, então, agora temos de garantir a inscrição que vai ser de 11 a 22 de maio.

Então, um passo de cada vez. Isso que é importante para a gente. Nós temos que preparar a prova, mandar para a impressão. Quando chegar na ocasião, se houver necessidade, a gente muda a data das provas. Mas, por enquanto, as datas estão mantidas.

Qual é o plano B do MEC e do Inep para toda essa situação envolvendo a pandemia e o Enem? Quando vai ser dado o sinal de alerta para que ele seja colocado em prática?

Mais à frente. No momento, como a gente tem conseguido cumprir todas as etapas, a gente permanece com o nosso plano A. Quando surgir alguma intercorrência, a gente vai atuar.

Mas o MEC tem algum plano B?

Sim, a gente sempre tem planos, a gente tem várias opções. A gente já vai traçando os cenários. Então, por exemplo, nós concluímos o período de isenção. Mas o ministro também já está anunciando que a gente não vai deixar ninguém para trás. Ninguém vai ser prejudicado.

Então, se por acaso algum aluno, algum participante não conseguiu fazer o pedido de isenção, ele não vai ser prejudicado. O Inep, no período de inscrição, vai resolver isso de ofício. Nós vamos fazer [a isenção], independentemente do pedido pessoa.

De que forma o Inep vai fazer isso?

Atuando com as nossas bases de dados. Dentro do sistema de inscrição, a gente consegue operacionalizar isso para aqueles que faltaram.

O Inep vai fazer isso por conta própria. Então aqueles alunos, aqueles participantes, as pessoas que querem fazer o Enem e que estão enquadradas nos requisitos legais que dão direito à isenção. Quem cursou o ensino médio em escola pública, quem cursou o terceiro ano do ensino médio em escola pública, o participante da escola privada que fez o ensino médio com bolsa integral e aqueles que estão em situação de vulnerabilidade, registrados no CadÚnico do governo.

Essas pessoas, aqueles que eventualmente não conseguiram fazer o pedido de isenção, nós, administrativamente, sem nenhum pedido do participante, vamos resolver isso durante as instituições. Não será gerado o boleto para eles. O participante não precisa fazer nada.

O senhor mencionou uma fala do ministro de que nenhum aluno vai ser prejudicado. Mas muitos educadores e inclusive os secretários de educação demonstram receio com a manutenção da data do Enem, porque isso poderia de alguma forma prejudicar os alunos mais pobres. O Inep não tem receio de que isso aconteça?

O nosso papel é a garantir a prova, uma prova de qualidade. Vários sistemas de cotas das universidades utilizam o Enem como um instrumento de acesso. Se não tiver o Enem, aí sim esses alunos serão prejudicados. Se não tiver o Enem, como o aluno da escola pública vai fazer para ter acesso a política de cotas da universidade pública? O maior prejuízo para a sociedade é não ter essa política pública que é o Enem.

As pessoas também subestimam o brasileiro, o aluno. Quando várias pessoas, vários especialistas disseram que os alunos não iam conseguir fazer os pedidos de isenção porque não têm computador em casa, são pessoas totalmente fora da realidade, porque 70% dos pedidos foram feitos pelo celular. Então, eu acho que são pessoas que falam em nome das pessoas mais necessitadas sem conhecer efetivamente a realidade deles.

Agora, a gente tem que levar em consideração também que o Enem é uma avaliação de final da educação básica. Existem vários problemas na educação básica, desde o ensino fundamental. Creditar ao Inep, ao Enem, resolver todos os problemas da educação básica, da educação pública, acho que está errado.

Mas o Enem é um exame que mexe muito com a vida dos alunos, dos jovens, justamente por ser a principal porta de entrada na universidade do país. Já que temos uma pandemia, faz sentido falar de alternativas, do que pode acontecer. Mesmo que a circulação venha a ser retomada em novembro e com o acontecimento normal das provas, os infectologistas falam que provavelmente a gente vai ter que manter os cuidados de higiene, distanciamento social por um tempo. O Inep trabalha com a hipótese de fornecer álcool em gel, máscaras, de ter alunos distribuídos em mais locais de provas para manter essa distância?

A gente não sabe como vai estar a situação na data de aplicação da prova, em novembro. Nós estamos vendo que todos os países estão sendo surpreendidos por essa pandemia e há muitas incertezas. A gente tem que tomar as decisões para resolver os problemas na medida em que eles ocorrem. Eu não tenho esse problema ainda, meu problema é preparar o Enem. Em relação a isso nós estamos fazendo todas as ações necessárias.

Qualquer regra sanitária que venha a ser decidida pelo Ministério da Saúde, nós vamos acatar, evidentemente. Agora, essa é uma coisa que nós temos que ver em novembro. Quando chegar lá, a gente vê isso.

Agora, o que é importante é que vai ter Enem e o jovem tem que estudar. Tem que continuar se preparando, não pode imaginar que esse período de quarenta é um período de férias. Não é, é um período de estudos. É um período para ele aproveitar, ler seus livros, buscar se atualizar, buscar se preparar.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal, pediu ao MEC explicações sobre a manutenção da data do Enem. Também já se sabe de outras ações pedindo o adiamento do exame. O senhor não teme que aconteça uma judicialização do Enem?

Ações judiciais ocorrem em todos os exames. Ocorre no Enade, no Encceja, no Enem. Elas são naturais de um ambiente democrático, em que uma pessoa tem direito a isso se ela se sente prejudicada, ou os órgãos de controle, como o Ministério Público, por exemplo.

Vejo isso com naturalidade. Nós temos a certeza de que estamos fazendo o correto. Queremos fazer o melhor para a sociedade, e é isso que a gente coloca nas nossas defesas judiciais.