Vou buscar aluno em casa, diz diretora de escola com maior nota no Ideb
Ninguém pode faltar à aula na E.E.F. (Escola de Ensino Fundamental) Maria do Carmo Cardoso, em Independência, no sertão cearense, se não a própria diretora vai à casa do aluno entender o motivo. "Primeiro a gente liga. Se não atender, visitamos. Temos que saber o que está acontecendo, não é?", conta Socorro Pimentel, 52, animada.
O bom humor é justificável: a escola municipal, que dirige há oito anos, teve a melhor avaliação do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do Brasil nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano): 9,8. As notas por escolas e municípios do Ideb 2019 —antes da pandemia— foram divulgadas ontem, pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), ligado ao Ministério da Educação.
Nesta mesma categoria, o Ceará foi o sexto estado mais bem colocado, com índice de 6,3 — o sexto avanço consecutivo desde que o exame foi criado, em 2005. Para a diretora, os bons resultados são reflexo do investimento em alfabetização feito progressivamente há décadas.
Sob a gestão de Pimentel, a Maria do Carmo Cardoso já ganhou duas vezes o prêmio Escola Nota 10, entregue pelo governo cearense, e, agora, teve o primeiro lugar no exame nacional. Ela credita o sucesso a dois pontos em especial: a jornada quase integral dos alunos no 5º ano e o envolvimento ativo da escola com as famílias de seus estudantes.
"Um dos principais desafios é sempre manter os alunos na escola. Porque, hoje, a gente sabe que eles perdem o interesse pelos estudos com muita facilidade. Então, a gente busca sempre uma parceria com a família", diz.
É comum que os pais dos alunos participem de atividades na escola e tenham reuniões periódicas com o corpo docente. Se algum estudante não vai à aula e não dá satisfação, Pimentel vai pessoalmente à casa dele entender o que aconteceu.
"Eu, como diretora, com a coordenadora ou professora, vou buscar em casa, entender o que acontece junto à família, só assim você tem êxito", afirma. Em último caso, se houver um "problema mais sério", eles procuram o Conselho Tutelar. "Mas, graças a Deus, não estamos tendo nenhum problema como esse agora. Estão todo indo [às aulas online]."
As visitas aconteciam, claro, antes da pandemia. Com as aulas presenciais ainda suspensas no município, essa frequência é mantida virtualmente. Ela conta que, apesar dos desafios, está dando certo.
"Usamos videoconferências e chats do WhatsApp para tirar dúvidas. Um ou outro aluno que mora em área rural, sem acesso [à internet], a gente entrega lições e exercícios impressos, que os pais retiram na escola. Mas são pouquíssimos", conta Pimentel.
Além disso, para estimular o interesse dos alunos, a escola tem ainda uma jornada dupla para os alunos do 5º ano: disciplinas curriculares pela manhã e atividades pedagógicas à tarde. "Oficinas, gincanas e atividades que atraem a atenção desse estudante, para não ficar só no quadro branco", afirma Pimentel.
"É pequena, mas não falta nada"
Localizada na área urbana da cidadezinha no sertão cearense, a 300 km de Fortaleza, a Maria do Carmo é uma escola pequena. São apenas seis salas, divididas pela manhã para o fundamental 1, à tarde para o 2 e à noite abriga duas turmas de EJA (educação de jovens e adultos.
Não há quadras esportivas e o pátio é "pequeno, muito pequeno mesmo", reforça Pimentel. O lazer é feito, quando possível, em um campo público de futebol a pouco mais de 1 km dali.
Mas, didaticamente, a diretora diz que "não falta nada". Os materiais escolares estão em dia, não falta equipamentos para os professores, as salas têm ar condicionado e a Secretaria de Educação da cidade ainda oferece apoio pedagógico com cursos aos docentes.
Busca ativa é fundamental, diz pedagoga
Para Anna Helena Altenfelder, diretora-executiva do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), a estratégia adotada pela diretora é fundamental para a manutenção do aprendizado e o modelo deve ser seguido.
"Estudos mostram que, à medida que a criança cresce, os pais vão deixando de acompanhar o passo a passo escolar. Então, também é papel da escola fazer essa busca ativa para evitar evasão de alunos", afirma a pedagoga.
Segundo ela, ao mostrar uma preocupação contínua e persistente, a escola está um passo à frente de possíveis desistências. "Muitas vezes, a escola só procura [o aluno] depois que ele evadiu, e é mais difícil trazê-lo de volta. Procurar nesses primeiros momentos é fundamental, deveria ser um esforço de todas as redes", completa.
Ceará tem modelo de foco na alfabetização
A população estimada de Independência é de pouco mais de 26 mil habitantes, segundo o IBGE (Instituto Brasileirod e Geografia e Estatística).
A Maria do Carmo é uma das 42 escolas de ensino fundamental do município, entre as unidades urbanas e rurais. Com IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) de 0,632 — semelhante a países como Namíbia e Timor Leste —, Independência tem taxa de escolarização de 97,6% entre alunos de 6 a 14 anos de idade.
Para Altenfelder, a cidade se mostra "mais um exemplo" do modelo bem-sucedido de alfabetização empregado no estado há mais de duas décadas.
"O Ceará tem uma política educacional que foca e prioriza a alfabetização que tem mostrado continuidade governo após governo, de diversos secretários de Educação. Os resultados não são mágicos, há uma política de colaboração entre o estado e os municípios", diz a pedagoga.
Destaque nas notas do Ideb 2019
No Ibed deste ano, além do resultado com os anos iniciais do fundamental, o estado nordestino também bateu a meta dos anos finais (do 6º ao 9º ano), com índice 5,2 quando a projeção era 4,6, e ficou a 0,1 da meta de 4,5 no Ibed do ensino médio.
Outro destaque importante foi a escola municipal E.E.F. Nossa Senhora Aparecida, de Granja, no noroeste do Ceará, a 330 km de Fortaleza, que teve a maior nota do Ideb 2019 para os últimos anos do ensino fundamental, com 8,7.
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