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História do Brasil

Governo Geisel (1974-1979) - "Distensão", oposições e crise econômica

O general e presidente do Brasil Ernesto Geisel recebe cumprimentos em forma de continência de militar - Manoel Pires/Folhapress
O general e presidente do Brasil Ernesto Geisel recebe cumprimentos em forma de continência de militar Imagem: Manoel Pires/Folhapress

Renato Cancian

Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

(Atualização em 13/3/2014, às 07h24)

A estabilidade política alcançada no governo Médici (Arena), de 1969 a 1974, possibilitou ao presidente indicar o nome do seu sucessor. As eleições indiretas para presidente da República, realizadas no Congresso Nacional, não passavam de fachada com objetivo de encobrir o processo eleitoral de natureza antidemocrática.

O governo dispunha de folgada maioria no Congresso Nacional. O partido governista, a Arena (Aliança Renovadora Nacional), controlava as duas casas legislativas: Senado e Câmara Federal.

Mesmo assim, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que fazia o papel da oposição "consentida" no período da ditadura, lançou uma candidatura de protesto com Ulysses Guimarães, candidato à presidência; e Barbosa Lima Sobrinho, como vice-presidente. Conforme o esperado, o Congresso Nacional referendou o nome de Ernesto Geisel como presidente da República.

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Distensão lenta, gradual e segura

Geisel assumiu o governo prometendo retorno à democracia por meio de um processo gradual e seguro. Também denominado de "distensão", o projeto de redemocratização concebido por Geisel previa a adoção de um conjunto de medidas políticas liberalizantes, cuidadosamente controladas pelo Executivo Federal.

Isso incluía a suspensão parcial da censura prévia aos meios de comunicação e a revogação gradativa de alguns dos mecanismos mais explícitos de coerção legal presentes no conjunto das leis em vigor, que cerceavam as liberdades públicas e democráticas e os direitos individuais e constitucionais.

É preciso salientar, porém, que o projeto de distensão não refletia a crença na democracia, tanto por parte de Geisel como dos militares que participavam de seu governo. Na verdade, a distensão era um projeto preconizado como uma "saída" para que as Forças Armadas se retirassem do poder. Depois de dez anos de ditadura militar, período em que três generais governaram o país, as Forças Armadas se desgastaram.

Situação insustentável das Forças Armadas

A violência repressiva e o controle policial imposto sobre todos os setores da sociedade, além da ausência de liberdades civis e públicas, haviam conduzido o país a uma situação insustentável do ponto de vista da manutenção do regime de força que caracterizava a ditadura militar.

Além disso, o fato de os militares terem assumido diretamente o governo, ocasionou uma politização negativa dentro das Forças Armadas, desvirtuando os propósitos constitucionais da instituição militar. A "anarquia" e a "desordem", promovida por setores militares radicais, permearam todos os governos da ditadura, e tinham sua origem justamente na politização no interior da instituição militar.

Portanto, é apropriado interpretar a distensão como um sinal da impossibilidade de os militares de se manterem indefinidamente no poder. Porém, a distensão foi concebida de modo que a saída das Forças Armadas do governo não deveria ameaçar a ordem vigente e os interesses das classes dominantes.

De qualquer modo, no transcurso do mandato de Geisel, ocorreram tentativas de golpe contra o governo, promovidas por setores militares radicais que se posicionaram contrariamente ao projeto de distensão. A maior ameaça ao projeto de redemocratização veio dos oficiais que controlavam o aparato de repressão policial-militar.

Violência e violação dos direitos humanos

Quando Geisel assumiu a presidência da República, em março de 1974, a ditadura militar já havia derrotado todas as organizações guerrilheiras armadas. Já não existia ameaça subversiva ao regime proveniente das esquerdas armadas, mas, mesmo assim, o aparato repressivo continuou funcionando.

O sucesso do projeto de liberalização política dependia, em grande medida, da contenção das atividades dos órgãos de repressão policial-militar. Porém, as tentativas do governo de conter a repressão esbarraram em reações articuladas de setores militares ligados aos órgãos repressivos.

Interessados na manutenção de suas prerrogativas, os órgãos de repressão continuaram a praticar ações violentas que geraram graves crises políticas, chegando a ameaçar o mandato presidencial de Geisel.

Para evitar crises políticas, Geisel fez concessões ao aparato repressivo ao impedir pressões provenientes das oposições - em particular, do MDB, da Igreja Católica e também de setores da imprensa - no sentido de cobrar do governo esclarecimentos sobre cidadãos mortos, desaparecidos e torturas contra presos políticos.

Em alguns episódios públicos de violações dos direitos humanos praticados pelos agentes dos órgãos de repressão, no entanto, Geisel tomou medidas enérgicas contra militares radicais.

Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho

O episódio mais grave ocorrido no mandato de Geisel foi a morte sob tortura do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna) do 2º Exército em São Paulo. A morte de Herzog gerou uma grande comoção social de segmentos da classe média. Políticos da oposição, setores progressistas da Igreja Católica, estudantes universitários e parte da imprensa se aliaram e realizaram um culto ecumênico na Catedral da Sé, em São Paulo, com a participação de milhares de pessoas.

Geisel nada fez neste caso para enquadrar e punir os responsáveis. Em janeiro de 1976, uma outra morte, a do operário Manoel Fiel Filho, em condições idênticas às de Herzog, fez com que Geisel destituísse do comando do 2º Exército, general Ednardo D'Avilla Melo. A demissão representou a primeira ofensiva governamental contra os militares radicais.

Mas o episódio que garantiu a supremacia do presidente da República sobre os setores radicais que eram contrários ao projeto de liberalização ocorreu em outubro de 1977, com a demissão do ministro do Exército, general Sylvio Frota, que pretendia se impor como próximo presidente da República.

Crise da economia

Em 1974, o ciclo de prosperidade da economia brasileira chegou ao fim. O grande salto desenvolvimentista e o crescimento industrial e produtivo (o chamado "milagre econômico") duraram enquanto as condições internacionais eram favoráveis.

  • Na foto, o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Inácio Lula da Silva

O ciclo se encerrou quando os empréstimos estrangeiros se tornaram mais escassos, e quando o preço do petróleo aumentou significativamente. A crise se agravou e setores da burguesia industrial começaram a discordar dos rumos da política econômica. Em 1974, industriais paulistas lideraram a campanha pela desestatização da economia, a fim de que os recursos que o governo destinava às empresas estatais fossem transferidos para o setor privado.

O aumento do custo de vida e a contenção dos salários aumentaram o descontentamento dos trabalhadores. Nesse contexto, em 1978, os operários metalúrgicos da região do ABC paulista desencadearam o maior ciclo grevista da história do país. Não havia mais possibilidade de o governo conter as reivindicações dos trabalhadores e as exigências dos industriais.

Reorganização das oposições

No transcurso do governo Geisel, diversos setores da sociedade brasileira começaram a se reorganizar e se opor frontalmente à ditadura. O primeiro sinal de descontentamento popular ocorreu com a vitória expressiva do MDB nas eleições legislativas de novembro de 1974.

Com 72% dos votos válidos, o MDB conseguiu eleger 16 senadores, e aumentar sua bancada na Câmara Federal de 87 para 160 deputados. A vitória política do MDB, mesmo em condições de ausência de regras democráticas, deixou claro que, se o processo eleitoral fosse livre, a oposição conquistaria o poder.

Para evitar que o MDB avançasse nesta direção, em abril de 1977 o governo editou o Pacote de Abril que, entre outras medidas, alterava as regras eleitorais em benefício do governo.

Movimento estudantil

Outro importante setor oposicionista se originou do movimento estudantil. A partir de 1975, os estudantes universitários começaram a reconstruir as entidades e organizações estudantis representativas.

Estudantes lutaram por democracia e educação

  • Conheça as mobilizações com participação do movimento estudantil desde 1968

Até 1976, as atividades e manifestações estudantis se mantiveram restritas ao interior das universidades. A partir de 1977, porém, os estudantes saíram às ruas promovendo passeatas, atos públicos e manifestações exigindo "liberdades democráticas".

A Igreja Católica também teve atuação de destaque. Os setores progressistas do clero católico sempre incomodaram os governos dos generais. Em pleno governo Médici, influentes membros da hierarquia Católica, como o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, e o bispo de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara, entre outros, denunciaram publicamente casos de tortura, desaparecimento de cidadãos e prisões políticas.

No governo Geisel, a oposição de setores da hierarquia da Ingreja contra a ditadura militar cresceu significativamente. Já não era possível ao governo reprimir com desmesurada violência os movimentos oposicionistas que afloravam.

A sucessão presidencial

Quando Geisel demitiu o ministro do Exército, general Sylvio Frota, em outubro de 1977, o presidente reafirmou seu predomínio sobre os setores radicais das Forças Armadas que não desejavam a redemocratização do país.

Para sucedê-lo na presidência da República, Geisel escolheu o general João Baptista Figueiredo (PDS), chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), comprometido com o projeto de liberalização política. Figueiredo prosseguiu com a abertura política e a redemocratização do país.

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