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Ensino fundamental à distância?

Divulgação/Secretaria da Educação do Estado de São Paulo/Diogo Moreira/A2img
Imagem: Divulgação/Secretaria da Educação do Estado de São Paulo/Diogo Moreira/A2img
Guilherme Perez Cabral

12/06/2017 04h00

No Brasil, o ensino fundamental, destinado a crianças e adolescentes na faixa dos 06 aos 14 anos, deve ser presencial. Isto é, deve ocorrer entre professores e alunos presentes numa sala, num laboratório, numa biblioteca, numa quadra ou noutro ambiente adequado. Deve ocorrer entre pessoas que, com suas particularidades, interagem, convivem e, assim, na socialização, desenvolvem sua humanidade e sua individualidade. Essa é a regra. É o que estabelece a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) - nº 9.394/1996.

Não é para ocorrer, portanto, “a distância”: modalidade de oferta que se desenvolve sem que alunos e professores estejam no mesmo lugar. As aulas – muitas vezes previamente gravadas – são transmitidas por uma televisão, tela de computador ou outro meio de informação e comunicação.

A regra faz todo o sentido. Afinal, estamos falando de crianças e adolescentes e não de um profissional que, para seu aperfeiçoamento ou atualização, faz um curso a distância de especialização ou de língua estrangeira.

Acontece que a LDB autoriza, em “situações emergenciais”, que o ensino fundamental seja ofertado a distância. E, nesse ponto, temos que ficar atentos para que as exceções não afrouxem a regra ao ponto de descaracterizá-la, em prejuízo do direito à educação.

Dessas situações emergenciais tratava o Decreto Federal nº 5.622/2005. Previa, dentre outras hipóteses, a alunos que vivem “em localidades que não possuam rede regular de atendimento escolar presencial”. O dispositivo incomodava. Ora, se em algum canto do país não há escolas suficientes, a medida urgente a ser adotada é construí-las – e não se valer da oferta a distância.

No final do mês passado, foi publicado novo Decreto sobre a matéria (nº 9.057/2017). Repetiu quase todas as hipóteses da legislação anterior, inclusive o mencionado acima. E a reforçou, trazendo mais uma que desfigurou de vez a regra do ensino fundamental presencial.

Chamou de situação emergencial, autorizadora da oferta a distância, a existência de alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental regular, privados da oferta de disciplinas obrigatórias do currículo escolar.

Explicitou algo que, no Decreto anterior, era questionável, não era tão explícito assim. O Poder Público que, por incompetência, descaso ou qualquer outro motivo, não oferece ensino regular adequado a seus alunos na faixa dos 12-14 anos, pode, para livrar-se de seu dever constitucional, ofertar ensino a distância.

Em resumo, por expressa previsão normativa, não precisa contratar professor nem construir escola. Basta colocar a molecada para assistir televisão.

Cobrado sobre a mudança, o Governo Federal, voltou atrás. Afirmou ter havido “erro de redação”. O Decreto foi republicado com “retificação”. Saiu a nova hipótese emergencial.

Mas a excepcionalidade anterior, mais genérica, continua lá. Admite-se, ainda, a oferta à distância do ensino fundamental nos lugares que não possuam rede adequada de atendimento escolar.

Num país em que a educação não é prioridade, é grande o risco de que normas como essa sejam salvo-conduto para o Estado continuar deixando estudantes longe da escola.