Febre amarela, o regresso
A erradicação da febre amarela era um dos orgulhos do povo brasileiro. Tal sentimento não surgiu por acaso. Na verdade, passaram-se muitos anos até que uma gente sofrida e desinformada entendesse que a picada de um mosquito matava e aceitasse ser vacinada.
O sanitarista Oswaldo Cruz enfrentou muitas batalhas para conseguir vacinar a população contra essa que foi uma das mais perigosas doenças infecciosas de séculos passados. Consta que foram necessários três anos, entre 1903 e 1906, para que não houvesse mais casos de febre amarela no Brasil.
Agora, a doença aparentemente debelada àquela época volta a ameaçar. A nosso favor temos que as conquistas do passado não foram em vão. A vacina existe e os moradores das áreas mais vulneráveis estão sendo atendidos. Informação também não falta na atualidade. Resta saber se o foco localizado em parte da região sudeste será rapidamente debelado. Porque o verão chama mosquito --que, por sua vez, encontra ambientes favoráveis à sua reprodução e disseminação em todo o país.
Fatores de risco
Quais motivos explicam o ressurgimento da febre amarela um século depois da batalha vencida por Oswaldo Cruz e sua equipe? Múltiplas respostas elencam um rol de problemas que parecem inerentes à condição de ser brasileiro, uma vez que a solução dos mesmos é sempre postergada. A falta de saneamento básico e a produção descontrolada de lixo são problemas gravíssimos, assim como o desmatamento.
Outros fatores apontados como de risco são as alterações climáticas, a mobilidade e o adensamento urbano. Por mais que mentes criativas neguem o aquecimento global, verão após verão testemunhamos alterações profundas e sempre mais devastadoras.
O aquecimento global não depende apenas das ações depredatórias de nós mesmos, mas, em lugar do jogo de empurra, de atribuir os danos planetários apenas aos chamados países desenvolvidos, precisamos fazer a nossa parte.
Cuidar do nosso pedaço --ao menos isso-- é fundamental para reverter a situação crítica que atravessamos. É igualmente recomendável ter sempre em mente que a qualidade do clima está diretamente associada à qualidade do meio ambiente. Em outras palavras, essa é uma tarefa quase impossível onde não há saneamento, destinação correta do lixo e florestas preservadas.
Toda vez que uma doença infecciosa ressurge, não só entre nós, mas em todo o mundo, a mobilidade é mencionada como fator de risco mais presente. Viajantes, turistas, portadores de novos negócios são bem-vindos em todos os países que abrem suas fronteiras para o desenvolvimento. Este é um avanço que não se pode eliminar. No entanto, solicitar certificados de vacinação contra determinadas doenças infecciosas faria um grande bem a quem vive e a quem ingressa no país.
A impressionante concentração de moradores nas cidades, principalmente aquelas da faixa litorânea do Brasil, muitas vezes faz pensar que este é um país que precisava ser redescoberto, para começarmos tudo de novo. De preferência, fazendo do sofrido aprendizado de nossos erros um estímulo para acertar.
Corrente
Todos esses fatores e outros não mencionados, mas não menos importantes, estão interligados como os elos de uma corrente, que só será quebrada quando houver cooperação entre os governos e a população. Concentração de pessoas nas cidades, em comunidades sem saneamento, com lixo a céu aberto, inclusive em áreas de mananciais e em encostas, formam o enredo de um filme ruim ao qual estamos cansados de assistir.
Eleição após eleição, candidatos fazem promessas de desenvolvimento e esquecem que o desenvolvimento só será possível quando tivermos políticas públicas que funcionem de fato. Enquanto isso, o regresso da febre amarela disputa espaço no noticiário com a dengue, a chikungunya, a zika. Será que os mosquitos nos reservam mais alguma novidade para este verão? Afinal, a temporada mal começou.
* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.
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