Filha de agricultores, sergipana de 26 anos fará pós-doutorado na França
![A sergipana Ana Maria Menezes, 26 anos, vai estudar matemática na França - Acervo pessoal](https://conteudo.imguol.com.br/c/noticias/2013/09/09/filha-de-pais-analfabetos-ana-maria-menezes-26-anos-vai-estudar-matematica-na-franca-1378770206617_615x300.jpg)
Segunda filha de quatro mulheres de um casal de agricultores do povoado Açude da Marcela, zona rural do município de Itabaiana (a 52 quilômetros de Aracaju), Ana Maria Menezes, 26 , embarca este mês para Paris. Ex-aluna de escola pública, a estudante fará seu pós-doutorado em matemática na Universidade Marne-la-Vallée.
Ana Maria iniciou os estudos em uma escola municipal nas proximidades do povoado onde morava. No ensino fundamental, passou a estudar no Colégio Estadual Murilo Braga, onde conheceu o professor Milton, que a incentivou a entrar no mundo dos números. “Ele viu em mim uma criança estimulada, que gostava de estudar e que poderia seguir em frente”, disse. O professor foi além e conseguiu uma bolsa de estudo em uma escola particular da cidade, em que cursou o ensino médio.
“Eu sempre tive certa facilidade para a matemática. Com as aulas do professor Milton eu comecei a ver a beleza da matemática. As aulas desse professor eram esclarecedoras, ele explicava o porquê das coisas. Dava motivação ao estudo de um determinado assunto. A matemática é muito interessante porque você mesmo pode fazer as soluções e obter as respostas, é algo que pode ser muito divertido”, frisou.
Aos 17 anos, iniciou o curso de matemática na UFS (Universidade Federal de Sergipe), onde conheceu mais um incentivador dos seus estudos, o professor Valdenberg Araújo. O educador, que tem um projeto de preparar alunos para o mestrado, incluiu Ana Maria. “Entrei nesse projeto e, em paralelo à graduação, eu ia me preparando para fazer um mestrado”, lembrou.
Assim que concluiu a graduação, Ana Maria iniciou o mestrado em geometria diferencial na UFAL (Universidade Federal de Alagoas), por incentivo e apoio dos professores Marcos Petrúcio e Hilário Alencar. Foram eles os responsáveis por sua ida ao IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), no Rio de Janeiro em 2009. “Eu adiantei as disciplinas de mestrado na UFAL e eles decidiram que seria melhor para mim passar o segundo ano no IMPA”, disse.
Dedicada e aplicada, a jovem com apenas 22 anos chegou ao IMPA não apenas para fazer o mestrado como também começar a fazer disciplinas de doutorado. Retornou para UFAL, defendeu a dissertação do mestrado e, no ano seguinte, Ana Maria já estava retornando ao Rio de Janeiro para iniciar o doutorado.
Em agosto deste ano, sob a orientação do professor Harold Rosenberg, a itabaianense do povoado Açude da Marcela alcançava o título de doutorado com o conceito “A”. Parou por aí? De jeito nenhum, Ana Maria segue agora para o pós-doutorado na França.
Ensino da matemática
Para Ana Maria, a matemática “assusta” as crianças porque não é explicada de maneira adequada.
Ela vai além, para ensinar a matemática tem que gostar dela. “Essa é uma questão complicada (risos). Tem uma área de pesquisa voltada justamente para esse problema, que é a educação matemática. Eu não sou especialista no assunto, mas, por experiência própria, acredito que primeiro o professor de matemática tem que gostar do que faz, se o próprio professor não mostrar entusiasmo pela disciplina vai ser muito difícil conquistar o interesse do aluno”, afirmou.
“Eu diria que o professor deve procurar explicar mais o porquê das coisas, uma aula que só tem formulas e o aluno tem que ficar resolvendo um monte de equações sem entender o porquê daquilo é realmente desinteressante, a aula fica chata. O professor precisa motivar o aluno, e isso vale para qualquer disciplina: matemática, história, física... sem motivação tudo fica mais difícil”, alertou.
Família
Os pais de Ana Maria, apesar das dificuldades iniciais para sustentar as filhas, nunca deixaram que elas largassem os estudos para ajudá-los na vida do campo. “Nós morávamos num sítio no povoado Marcela, e lá eles cultivavam legumes e verduras... viviam disso”, recorda. Aos 11 anos, por causa da insegurança na localidade, mudou-se com a família para zona urbana de Itabaiana, onde os pais abriram uma mercearia e sobrevivem desse comércio até hoje.
“Eles não permitiram que a gente trabalhasse, diziam que estudar era o único meio de se vencer na vida. Eles trabalhavam de dia e à noite para nunca faltar nada, e permitir que a gente se dedicasse aos estudos. Eu ajudava em pouquíssimas coisas, eles realmente não queriam que a gente tirasse o foco dos estudos”, disse a doutora Ana Maria.
Os pais não tiveram condições de estudar, moravam em um povoado distante sem transporte para a área urbana, pararam os estudos na 4ª série do ensino fundamental.
Além de Ana Maria, outras duas irmãs já estão graduadas: Vilma é mestre em química, Aline é engenheira química. A caçula, Beatriz, está cursando o terceiro ano do ensino médio e pensa em fazer carreira na área da saúde.
Casada com o também matemático Fernando Codá Marques, 33, que ano que vem deverá concorrer à Medalha Fields, considerado o equivalente ao Nobel da matemática, Ana Maria garante que em casa não se discute soluções matemáticas.
“O meu marido é um matemático já conhecido internacionalmente, tem dez anos de pesquisa aqui no Brasil, então eu que sou apenas uma iniciante e não gosto muito de discutir matemática com ele, acho que fica um pouco desleal”, brincou.
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